2017-09-14

Harry Potter e a Câmara da Autoridade Tributária

Ninguém me desconvence de que as Finanças foram inventadas pelo Lord Voldemort com uma daquelas ampulhetas de trazer ao pescoço que a Hermione tinha no 3º filme, para fazer os muggles sofrer sem ter que estar sempre a lançar a maldição Cruciatus.

Portanto, estou para iniciar a minha participação num projecto que, com alguma sorte, culminará na distribuição de uma nova ferramenta cirúrgica (infelizmente, o acordo de confidencialidade ao qual estou sujeito impede-me de vos falar a fundo do mesmo... o que é uma pena, porque estou genuinamente convencido de que pelo menos alguns de vós o irieis achar extremamente interessante. Falai comigo em privado, se quiserdes participar igualmente; por ora, direi apenas que a área de machine vision terá um papel preponderante), mas, devido à natureza independente do projecto e à maneira única como o mesmo é financiado (a qual não é, certamente, semelhante à maneira única como a BBC é financiada; mesmo assim, não me parece boa ideia esmurrar o meu produtor), não poderei ser contratado convencionalmente e serei pago directamente e à peça.

Sucede que a invenção mais infame daquele que não será nomeado exige ser informada da quantia que receber para poder roubar-me uma parte, com a qual encherá os bolsos de agentes incompetentes da autoridade, sem dúvida na esperança de que eu opte por lançar a maldição Avada Kedavra sobre mim mesmo (ou faça uma série de Horcruxes... nesta altura do campeonato, ambas são igualmente prováveis), mas, como isso, nestes termos, é demasiado simples, não serve (quereis mais provas de que as Finanças não foram inventadas por um engenheiro - ou, pelo menos, por um engenheiro dos bons?). Assim sendo, existem, pelo menos, duas formas de me deixar assaltar pelo estado: mediante recibos verdes, caso não queira vir a ver sequer o valor da minha renda de casa, que é só o segundo apartamento mais barato que encontrei para arrendar nesta terra (por 20 "Galeões" inteirinhos todos os 12 meses de cada ano); ou mediante a Prestação Única de Serviços.

Hoje, depois de ter conversado acerca do assunto com a contabilista que está associada ao projecto (os meus estimados colegas e amigos sabem que eu tenho uma certa raivinha de estimação à malta administrativa em geral - gestores, contabilistas, advogados, chefes de polícia, etc. - mas, desta senhora, cujo nome sonegarei, só tenho coisas boas a dizer), fui, pela segunda vez esta semana e por este motivo, às Finanças...

Era agora que eu vos diria quem me atendeu, mas não posso, ou antes, não se pode. Dir-vos-ia que era uma senhora, mas, conforme vos relate que esta criatura amarga e impolida não fez senão levantar entraves, relatar mentiras e repetir, por várias vezes, "Ouça! Ouça! Ouça! Ouça!" quando eu não estava a fazer nem podia fazer senão ouvi-la, mas não se pode, nos dias que correm, fazê-lo sem incorrer a ira de quem leia nestes termos que todas as mulheres são incapazes, incompetentes, ignorantes, rudes, antipáticas e feias, ao passo que, por omissão, nenhum homem pode ser imbuído destas falhas - o que qualquer pessoa, independentemente do seu sexo, nacionalidade, raça, estrato social, classe, educação, casta, filiação, profissão, história sexual, religião ou credo, desde que tenha um módico de inteligência, vos saberá dizer tratar-se de um absurdo.

Ao invés, dir-vos-ei que 16 goblins enfiados numa camisola cor-de-rosa (não é tão implausível como julgais; a criatura que não vos posso adequadamente descrever apresentava, realmente, cerca de 2^4 vezes a massa e o volume corporal do actor Warwick Davies, conhecido em todo o mundo pelo seu desempenho enquanto Wicket ("O Regresso de Jedi", 1983), Leprechaun (filme epónimo, 1993), Professor Flitwick (série de filmes "Harry Potter", 2001 - 2011) e Griphook (idem), entre outros), não souberam senão corroborar o estereótipo de que as Repartições das Finanças são operadas exclusivamente por incompetentes malcriados e antipáticos com iguais aversões a trabalhar e ajudar os utentes.

Semelhantemente, não vos posso dizer que, conforme revindiquei ser atendido por outro funcionário, me ajudou um cavalheiro amável, educado e extremamente prestável sem que o mesmo grupo de idiotas que censuraria os dois parágrafos anteriores interpretasse o mesmo como um acto de exultação das virtudes de todos os homens e, por omissão de semelhantes alvíssaras, uma condenação de todo o sexo feminino. Ao invés, revindicarei que um Dementor, aposentado dos seus dias enquanto guardião de Azkaban, me soube, incaracteristicamente face à sua natureza, ajudar. Para além disso, a sua presença gélida mais que colmatou a falta de ar condicionado. Atrevo-me a propor que seja um Dementor o próximo Ministro da Magia.

(Pelo amor de todos os deuses em quem não creio, livrai-vos de ver na frase anterior uma apologia do afastamento de todas as mulheres de cargos de administração pública; não há em todos os mundos combinados ferramentas cirúrgicas que cheguem para me dar saúde suficiente para aturar merdas dessas! Já bem basta quererem que apresente o meu carro como sendo "um Ford Fiesta Afro-Americano"*!)

Fiz muita questão de deixar bem patente com o cavalheiro que me atendeu que, se todos os funcionários fossem tão prestáveis, simpáticos e educados como ele, não existiria o arquétipo da "chatice que é ir às Finanças" (posso ou não ter mesmo empregue a hipérbole de que "toda a gente cá estava batida todos os dias por prazer"), ao passo que a colega dele não servia senão para perpetuar os sentimentos negativos dos utentes em geral em relação àquele serviço.

Escusar-me-ei de salientar a idiotice de pagar ao estado 23% de tudo quanto receber para, seguidamente, pagar 23% de tudo o que gastar. Escusar-me-ei de propor que cada cidadão possa optar por prescindir de um ou mais serviços públicos em contra-partida de uma redução dos seus impostos. Escusar-me-ei mesmo de exigir que seja discriminado a cada cidadão em que medida é que cada cêntimo da sua contribuição para os bolsos dos estadistas do estado é gasto. Mas, foda-se, não posso deixar de exigir que, se insistis em levar uma fatia choruda de cada migalha que o meu trabalho me auferir, ao menos me trateis condignamente quando, na minha melhor fé, tentar, por todos os meios, subjugar-me às vossas ridículas regras! É pedir assim tanto!?

Pax vobiscum atque vale.

* - Em boa verdade, não conheço alma que se ofenda por descrever o meu carro como "preto". Por enquanto...

2 comments:

Peres said...

Não sei porque te queixas.

Podias viver num país, onde, no fim do mês, pagas 20%+ do teu salário para IRS
Dos 80%, deixas ainda 11% para segurança social.
Dos 69% que sobram, vais dar 23% para IVA em grande parte do que comprares.
ficas então com 54% do deu trabalho para circular na economia.

Nem vamos falar nos 23.75% que o teu patrão paga de "extra" para impostos estatais ok?
E vamos ignorar o IMI, o IUC, taxa audivisual, taxa de esgotos e lixo, taxas e taxinhas, porque, se eventualmente chegarmos aos 35% do teu salário podemos ficar todos deprimidos, quando o estado diz que não tem dinheiro.

ArabianShark said...

Ach! Nem me fales do IUC...!

Repara que eu não me oponho a que me cobrem um imposto para ajudar a manter as estradas em boas condições, ou a pagar a agentes reguladores do trânsito para impedir imbecis destravados de circular 180 na A25 ou a 80 na Circumvalação de Viseu (onde, como em todo o lado, o limite é 50). No entanto, consideremos, por exemplo, o carro da minha mãe, que:

- É maior que o meu;
- É mais pesado que o meu;
- É mais potente que o meu;
- Foi mais caro que o meu (apesar de ter sido um daqueles negócios bestiais, em que os stands mais querem é despachar os carros que têm nos salões de exposição quando vêm aí os novos modelos; são essencialmente carros novos que TÊM que ser vendidos como sendo em segunda mão, uma vez que o stand tem que os comprar);
- Gasta mais que o meu;
- É conduzido mais agressivamente que o meu (se bem que não seja culpa dele...);
- Tem mais uso que o meu;

... e paga MENOS de metade de IUC que o meu.