2018-04-30

Avengers: Infinity War - Part I (uma crírica sem spoilers)

Não vos vou mentir; o universo cinemático da Marvel é a minha fanchise cinematográfica favorita do momento e, para não perder pitada, obriguei-me a ver até os filmes em que não tenho grande interesse como preparação (nomeadamente, ambos os filmes dos Guardiães da Galáxia, que não são maus, mas, no meu entender, também não são os melhores da franchise, e os "Black Panther", que é, no meu entender, o pior da franchise).

Mas este é bom. É preciso conhecer as personagens todas de antemão, porque esta franchise tem-se vindo a construir ao longo dos últimos dez (10) anos*, e o filme não está para repetir o que deviam ter estudado em casa**. Para entenderdes as diferentes relações entre as várias personagens e o status quo do universo do filme quando este começa, tereis de ter, pelo menos, um entendimento superficial dos filmes que o precedem**. Cumpridos estes requisitos, estais prontos para desfrutar do culminar de uma década de cinema.

Desde o primeiro momento que o filme não se ensaia nada em misturar personagens de diferentes filmes, exacerbando, deliberadamente, os contrastes entre os diferentes tons dos diferentes filmes e das personagens que os protagonizam, tentando - aliás, com bastante sucesso - criar com isso algo belo. Nesta questão, tenho que salientar ainda que o filme, respondendo às preces de montanhas de fãs, mostra-nos finalmente as interacções entre os personagens mais loquazes dos seus respectivos filmes, produzindo drama, comédia e acção em iguais medidas, enquanto salienta as diferenças entre acturos cujos nomes viémos a idolatrar, exacerbando, ao mesmo tempo, as diferenças entre não só as personagens como também os actores que as interpretam e entrelaçando os melhores fios do novelo de cada um numa tapeçaria deslumbrante.

O filme não se poupa ao rótulo de "um filme de acção", oferecendo cenas visualmente espectaculares e momentos "Fuck Yeah!" amiúde, permeados com "piscadelas de olho" aos fãs acérrimos dos filmes e das bandas desenhadas - tenho a impressão de que o General Peres ia gostar deste filme.

Folgo em constatar e anunciar que este filme rejeita firmemente todos os avanços corrosivos da justiça social - os membros do elenco de diferentes raças, sexos, etenias, orientações e espécies são o que são (o que tem vindo a ser estabelecido) e não são o que não são (tokenismo, acção afirmativa, "progresso" a bem do próprio "porgresso", etc.). Não há linhas marcadas entre etno-estados, ideologias sociais, teoria de géneros (seja lá isso o que for), supremacia racial ou outras coisas feias. E, por mais que pense, não consigo lembrar-me de ninguém que tenha cabelo roxo. A Nebula tem pele azul, a Gamora tem pele verde e o próprio Thanos é arroxeado, mas não tem cabelo.

Mas, guardando o melhor para o fim, direi que o maior sucesso deste filme é criar (enfim, apresentar) um antagonista quase "amável", infinitamente distante do arquétipo do "mau" que é mau só porque nasceu mau, e mesmo mais interessante ainda que o vilão movido por um desejo egoísta que se sobrepõe à moralidade e à ética; ao invés, este vilão acredita piamente na virtude do seu objectivo ulterior, faz-se sofrer com os sacrifícios a que se obriga e reconhece o valor dos seus adversários (mas mais não digo). É muitíssimo mais interessante que um "mauzão" que escarnece abertamente do melhor dos seus inimigos enquanto retorce o bigode com uma gargalhada sardónica - digo eu, com os nervos.

No lado negativo, o filme só acaba para o ano, mas, antes de pausar até então, deixa a sua própria história bastante "arrumadinha", sem os cliffhangers de que a televisão se sustinha nos anos 60 (e mais tarde...), pronta a ser continuada até à sua conclusão em 2019.

Recomendado!

Pax vobiscum atque vale.

* É verdade; o "Iron Man", que deu início a esta história toda, saiu em 2008. Agora para um bocadinho de contexto, desde 2008, acabei um curso universitário, tirei a carta de condução, mudei-me para outro país, matriculei-me noutra universidade, desisti de outro curso universitário, deisiti de mais de duas décadas de sonhos acumulados, voltei à terra natal, debati-me com uma depressão clínica, arrendei dois apartamentos, tive três empregos, comprei um automóvel e rapei o cabelo (não nesta ordem, mas lá perto). Entretanto, o Robert Downey Jr. continuou a ser o Iron Man - e cada vez mais cheio de pinta!

** Queria ter escrito aqui que não é preciso ver absolutamente todos os filmes da Marvel desde 2008, e listar a seguir só os filmes que oferecem informação indispensável à compreensão de rigorosamente tudo o que se passa neste filme, mas cheguei à conclusão que afinal não; se quereis ser capazes de devorar as entrelinhas do filme sem deixar de compreender uma sílaba que seja, tereis mesmo de os ver todos. Mas, ao menos, ofereço-vos uma checklist:

 - Iron Man (2008)
 - The Incredible Hulk (2008)
 - Iron Man 2 (2010)
 - Captain America: The First Avenger (2011)
 - Thor (2011)
 - The Avengers (2012)
 - Iron Man 3 (2013)
 - Thor: The Dark World (2013)
 - Captain America: The Winter Soldier (2014)
 - Guardians of the Galaxy (2014)
 - The Avengers: Age of Ultron (2015)
 - Ant-Man (2015)
 - Doctor Strange (2016)
 - Captain America: Civil War (2016)
 - Thor:Ragnarok (2017)
 - Spider-Man: Homecoming (2017)
 - Guardians of the Galaxy Vol. 2 (2017)
 - Black Panther (2018)

2018-04-11

Star Wars - Episode VIII: The Last Jedi (uma crítica)

Aqui há uns anos, quando a saga Star Wars foi revitalizada, escrevi uma crítica do então mais recente filme. Se não se lembram (ou se têm vontade de ler mais patranhas escrevinhadas por mim), está aqui.

Ora, este mais recente filme não foi lá muito bem recebido, de maneira que, quando ainda estava no cinema, fui adiando, adiando, adiando, até que, esta semana, quando o filme já passou completamente da atenção do público, lá me lembrei de ver o filme.

Antes de avançar, falemos brevemente dos elefantes na sala (há vários; deve ser uma sala enorme): como já lá vão perto de quatro meses desde que o filme saiu, não vou ter grande cuidado com spoilers (e o mesmo se aplica ao "Rogue One", que virá à baila e tem mais um ano que o filme de hoje); se ainda não viram o filme, o mais certo é já nem o verem ou, se o vierem a ver, já não se devem ralar grandemente com spoilers. Quando não, passem esta posta adiante. Por outro lado, agora que já uma série de críticas, reações e acusações foram lançadas ao filme, estou em posição de aproveitar para me pronunciar sobre elas.

E comecemos por aí, antes de mergulharmos no filme propriamente dito em mais pormenor. Itemizando:

   * "A missão do Finn é inútil, infrutífera e não contribui nada para a história!" - É preciso dar a mão à palmatória; esta crítica é perfeitamente válida. A única coisa para que todo esse arco serve no long run é para estabelecer a última cena do filme com o catraio e a vassoura, que também é mais ou menos inútil. Poder-se-ia argumentar que serve igualmente para estabelecer a personagem interpretada pelo Benício del Toro (se recebe nome, nem sequer o memorizei), e que esta pode ser que volte no próximo filme, mas, afinal de contas, tudo o que aprendemos acerca dele podia perfeitamente caber no próximo filme, se ele voltar. Um argumento melhor, em minha opinião, seria que, ao explicar que certos mercadores de armas vendem tanto à Primeira Ordem como à Nova República, o filme sugere nem todos os maus são completamente maus, à semelhança da maneira que o Rogue One tinha sugerido que nem todos os bons são completamente bons, mas, mais uma vez, isso caberia noutro lado qualquer.
   * "Agora a Força permite fazer 'X'!? Nunca antes se viu!" - Não concordo. Ou antes, de acordo, o filme mostra novos poderes da Força, mas, na sua generalidade, apesar de serem inéditos não são implausíveis no meio da história a que já nos habituámos, e não esquecer que não só ainda não sabemos nada acerca do Snoke e das suas capacidades (e agora também já é tarde...) como também a presença tanto da árvore dos Jedi como do olho do cú da Força (e, se já viram o filme, não finjam que não sabem de que é que eu estou a falar...!) certamente pode potenciar as habilidades daqueles que já são sensíveis à Força (ou prodígios da Força; o filme não se deu ao trabalho de explicar e passou a batata para diante). Quanto à Mary Poppins - in SPAAAAAACEEEE - de acordo, é ridículo ao extremo.
   * "Este filme é feito para SJWs!" - Eeehhh... não cheguemos a tanto. O filme tem mais que um cheirinho de "justiça social" (uma almirante de cabelo roxo... too soon, man!), mas também não é preciso exagerar. De acordo; há mais mulheres a tomarem protagonismo que nos seis filmes anteriores, mas até eu, que, aparentemente, sou um Nazi extrema direita pior que o Putin, afirmo que isso não é necessariamente mau. Afinal de contas, a Rey, por exemplo, é uma personagem interessante e bem construída (não exactamente extensivamente construída, mas nada de fundamentalmente errado com ela), e grande parte das cenas mais apelativas do filme envolvem ou centram-se nela. Para além disso, não tenho nada a dizer da prestação da actriz Daisy Ridley. Por outro lado, a almirante Holdo (e sim, tive que ir ao IMDb para não a chamar "Voldo", o que, associado às espadas-chicote dos guardas reais, me convence de que alguém neste filme é um grande fã de Soul Calibur )...

...

Sabeis que mais? Escrevi um parágrafo inteiro a explicar que é má prática sacar do anonimato uma personagem aparentemente extremamente importante, imediatamente a conduzir à posição de autoriade máxima e depois removê-la para sempre, mas, à medida que escrevia, fui-me lembrando que é mais ou menos isso que acontece com a personagem Delores Umbrige, do livro (e filme) "Harry Potter and the Order of the Phoenix" (o quinto), e que a Delores não era má persongem (era só uma personagem má). Seria isso a diferença? Será que isso só resulta para vilões? Não creio, até porque a Holdo não é exactamente sem um certo carácter "vil". Será porque a personagem me irrita? Certamente que não, que mais irritante que a Delores não é exactamente fácil, e este filme não está suficientemente bem escrito para isso (recordemos que a Delores era uma personagem deliberadamente irritante em várias frentes). Porventura será porque a personagem é deliberadamente obtusa ao insistir em não revelar o seu plano, mesmo durante um motim, sonegando completamente a hipótese de uma resolução pacífica? Muito provavelmente, sim, é isso. E, já agora, que a única característica memorável da personagem seja o raio do cabelo roxo não ajuda. Revisitaremos esta personagem mais tarde, mas terminemos este tópico com uma última questão: todos os líderes dos "bons" são mulheres (o Poe não conta, já que a primeira coisa que lhe acontece é ser despromovido) e todos os líderes dos maus são homens (e a Phasma não conta, já que foi estabelecida no filme anterior e despachada em duas penadas neste como se fosse um banal Stormtrooper que tivesse sido atropelado por uma enceradora particularmente insistente imediatamente antes de chegar ao combate) - não posso dizer que ache bem.
   * "The MRA Cut" - Aí está um excelente exemplo de reaccionarismo exagerado. Para quê, senhores? É cometer o mesmo crime de que se acusa outrém, mas exactamente ao contrário: disparate...

Agora então com mais pormenor:

A primeira cena do filme contém um rol de "contra-ordenações" de diferentes naturezas e variantes gravidades. Uma coisa que me chamou à atenção foi um plano em movimento que se concentra, num só take, em diferentes personagens, uma de cada vez, na ponte do Dreadnaught - não é que tenha alguma coisa contra este plano ou planos do mesmo género, mas acho que não se enquadra nada com a cinematografia que já viemos a esperar de um Star Wars. É impossível não reparar nos membros da tripulação dos bombardeiros que, aparentemente, décadas depois de computadores de controlo de tiro que só ficam atrás da Força em termos de exactidão, têm que largar manualmente as bombas sobre o alvo... expostos aos rigores do vácuo do espaço... frequentemente sem sequer uma máscara. Para completar a ladaínha de queixinhas "técnicas", de onde vem a gravidade que faz com que o comando das bombas (porque ainda não havia ridicularia que chegasse) caia pelas escadas abaixo? Aliás, de onde vem a gravidade que impede a fulana que tanto pontapeia a escada de simplesmente "flutuar" até ao topo da mesma? E, voltando ao um ponto de vista cinematográfico, quem era essa fulana? Escusais de me dizer que viríamos a saber que era a irmã de uma outra personagem que salta do anonimato, não faz nada da importante, produtivo ou consequente e desaparece no fim; a questão é que, no momento em que o filme quer fazer grande alarido do sacrifício dela, não temos absolutamente nenhum investimento nela, nenhum motivo para sentirmos um pingo que seja de mais emoção por ela que por qualquer um dos igualmente anónimos membros da metade da frota que se perdeu nesse ataque - mas temos uma cena de altíssimo perigo dedicada quase inteiramente a ela. E, quanto à questão do "perigo", vamos lá a entender uma coisa: No *fim* do Episódio IV, existe o "perigo" de os rebeldes não conseguirem destruir a Estrela da Morte e de patinarem todos de vez. Em princípio, não acreditamos, mesmo da primeira vez que vemos o filme, que isso possa realmente acontecer, mas só por causa da mania de que os bons ganham sempre no fim, com raras excepções, como no Rogue One (spoiler alert), em que os perigos se confirmam quase todos e toda a gente patina no *fim* (quanto mais não seja, para não ter que explicar como é que essa tropa toda sobrevive e nunca mais se ouve falar deles). Agora, se o "perigo" nos primeiros 10 minutos do filme é o de se perder quase a totalidade de uma das facções antagonistas do filme, só mesmo um garotinho de 6 anos (e o filme é para maiores de 12) é que não se apercebe que, se os bons (os bons, ainda por cima!) quinarem já todos não sobra nada para encher o resto das duas horas e meia de filme. Portanto, vamos lá a não insultar a audiência e deixar as cenas de alta tensão para quando se justificam, OK? Por outro lado, o engonhanço do Poe, e mesmo o resto dessa batalha, sobretudo a nível visual, não deixam nada a desejar - excepto, lá está, a cena da Mary Poppins - in SPAAAAAACEEEE, que é ridícula até ao infinito e mais além.

Apercebi-me, antes mesmo do final da primeira cena, que se continuasse a apontar tudo o que achava mal no filme, ia passar o filme todo a escrever, por isso decidi antes tentar apreciar o filme numa perspectiva mais global, mas mesmo isso não é nada fácil, porque o filme parece ser feito de dois filmes completamente diferentes, retalhados e recosidos um ao outro até não se poderem dissociar completamente, mas fundamentalmente distintos um do outro. Por um lado, as cenas da Rey com o Luke e com o Kylo Ren, acompanhando o treino dela no planeta do Luke, e depois o confronto com o Lorde Snoke e o Kylo Ren estão muito interessantes e bem feitas. Por outro lado, a história da frota rebelde a fugir da Nova Ordem enquanto o Finn e a Rose procuram ajuda, parecem pertencer a outro filme, menos interessante e francamente muito menos bem escrito. Infelizmente, não se pode fazer um filme inteiro só da história da Rey e do Kylo Ren, uma vez que a perseguição aos rebeldes é um elemento fulcral dos dois filmes, sobretudo porque o fim do confronto entre a Rey, o Kylo Ren, o Snoke e os guardas reais é um excelente momento para acabar o filme - não abruptamente, mas de forma semelhante à do Episódio V - depois do confronto com o Darth Vader, só temos mesmo que saber como é que o Luke sai dali e o filme pode perfeitamente acabar - e acaba, mas este não. Também não quero dizer com isto que o último acto, na base fortificada, não esteja bem - muito pelo contrário - mas deveria ser o terceiro acto de outro filme, em vez de ser o quarto acto que tenta suplantar o culminar de um filme que, francamente, se assemlha melhor. Quanto ao "Filme B", não querendo condenar completamente o arco da história que se passa no cruzador em fuga, tenho que lhe levantar uma série de acusações sérias: não só a intriga depende inteiramente de um capricho estúpido de uma personagem estúpida que me fez detestar retroactivamente todas as personagens interpretadas pela Laura Dern de que algum dia gostei (tanto uma como a outra), como é constantemente atormentada por uma gravíssima falta de C-3P0 - o pobre droid é uma das duas únicas personagens que atravessam rigorosamente todos os filmes e mal tem meia dúzia de falas no filme todo (ao menos dão-lhe a hipótese de dizer as probabilidades de alguma coisa - mais ou menos).

Conforme prometido, tenho que voltar a insistir na questão desta almirante Holdo. Ela não tem rigorosamente nenhum motivo válido para não explicar o plano a ninguém. Ao invés, antagoniza aberta e constantemente o Poe que, apesar de ter sido despromovido, é, claramente, um dos combatentes mais capazes da rebelião, tanto tecnicamente enquanto piloto como intelectualmente enquanto estratega, e mesmo confrontada com um motim recusa-se terminantemente a simplesmente explicar-lhe que a ideia é esconderem-se e fazer o inimigo crer que ganhou - é um disparate! Mesmo a própria Leia, cujo passado advém sobretudo de posições diplomáticas (não esquecer que a razão pela qual era ela a traficar os planos da Estrela da Morte era o facto de ter imunidade diplomática enquanto representante de Alderaan), prefere dar um tiro ao Poe assim que acorda do coma a falar com ele. Finalmente, dada a facilidade com que o Poe aceita o plano quando, finalmente, lho revelam, confirma que não havia motivo para pensar que ele se teria oposto antes, se ao menos se tivessem dignado a dizer-lho, em vez de lhe esfregarem na cara a todo o momento que, apesar de serem mulheres, mandavam nele, que já nem sequer tinha a mesma patente que no princípio do filme, portanto ele que verificasse o seu privilégio porque a patriarquia está morta - ou, se calhar, sou eu a ler demasiado no raio do cabelo roxo. O resultado é que essas cenas deixam um gosto amargo na boca de quem está a ver o filme, recaíndo nas asneiras dos episódios II e III, que acharam boa ideia trocar acção e demonstrações de poderes da Força por discussões parlamentares no senado da galáxia - em vez de, por exemplo, fazerem alguma coisa na veia da perseguição ao Millenium Falcon do Episódio V ou mesmo da fuga de Naboo do Episódio I (vá lá, admitam que, até Dezembro passado, nunca esperariam ver o Episódio I usado como um exemplo positivo!), deram-nos uma série de quezílias que poderiam perfeitamente ter-se passado numa casinha de campo no meio de um prado verdejante de Inglaterra sem fazer grande diferença. Simultaneamente, o Finn e a Rose andam a deambular numa caça aos gambuzinos que não afecta o decorrer do filme em absolutamente nada.

Finalmente, o confronto final, se não fosse o facto de se passar imediatamente depois de outro confronto final (que, evidentemente, afinal não era final) teria sido um excelente final do seu filme. É o tipo de batalha terrestre a que a triologia prequela nos habituou mais até que a triologia clássica, apesar de se assemelhar mais à batalha em Hoth do Episódio V (se bem que, desta vez, não é na neve; é no sal, e só faço a distinção porque o soldado que prova o chão vem identificado nos créditos como "Resistance Trench Sergeant 'Salty'"). Não é perfeita, sobretudo porque a manobra da Rose, ao impedir o Finn de se sacrificar, é estúpida, na medida em que não só resulta no sacrifício dela como não beneficia a sua facção em nada (antes pelo contrário, a não ser que aceitemos que deixar a Nova Ordem penetrar o último reduto dos rebeldes é um preço aceitável em troca de não termos que aturar mais as pancadas da Rose), já para não dizer que, para ela ser capaz de primeiro abandonar o que, ostensivelmente, seria a rota mais curta até ao canhão para depois vir a surgir mais à frente que o Finn, que se manteve na mesma rota, ela deve, necessariamente, ser capaz de distorcer o tempo-espaço (e, mesmo assim, não foi capaz de sabotar devidamente a maneira da Primeira Ordem os seguir).

Mas, visualmente, por exemplo, o filme está muito bom. O comic relief é, no lado negativo, talvez demasiado insistente, mas, de resto, perfeitamente adequado. Grande parte - a maior parte, aliás - do elenco portou-se muito bem. Os vilões, que tinham sido pouco mais que apresentados no filme anterior, vêm a desenvolver-se um pouco mais, mas mesmo isso não vem isento de falhas: eliminar o Snoke nesta altura do campeonato deixa duas hipóteses, nenhuma das quais particularmente apelativas - ou o Snoke "resuscita" a tempo do próximo filme graças a um qualquer "deus ex-machina" que nos fará torcer o nariz de Dezembro a um ano ou desaparece completamente da história, deixando em aberto todas as questões que permanecem sobre ele. Podeis dizer que não sabemos muito mais acerca das origens Imperador de ambas as triologias que acerca as do Snoke, mas recordemos que, no começo do Episódio I, ele já faz parte do que está estabelecido e, no princípio do Episódio IV, se descartarmos a triologia prequela, estamos na mesma situação; caso contrário, temos um vilão devidamente estabelecido. Mas, no Episódio VII, apesar de conhecermos mais ou menos intimamente a história da galáxia, não sabemos de onde veio esta personagem ou, talvez mais importantemente, onde andava ele durante os 6 filmes anteriores - e isso faz-me falta. Mesmo assim, o design das novas naves da Primeira Ordem, e sobretudo os interiores polidos e imponentes, é muito agradável, e as cenas mais gráficas do filme são muito satisfatórias, perfeitamente na veia de tudo o que era bom nos melhores filmes de Star Wars. Infelizmente, abusa do truque de "abafar" o som em prol da música no desnelace de um momento "épico", o que não deve, digo eu, ser usado mais que uma vez no mesmo filme; se não, torna-se uma coisa banal, trivializa o momento e acaba por ter o efeito oposto ao desejado.

Quando falei do filme anterior, critiquei, com o proviso de que as minhas acusações se justificavam com o seu carácter nascente, o vilão, Kylo Ren. Noutra ocasião, terei mesmo questionado a adequação do actor à personagem. Poderei mesmo ter dito que tinha "cara de parvo" (pelo que devo um pedido de desculpas ao actor Adam Driver, uma vez que estou agora mais familiarizado com o seu trabalho e posso afirmar com toda a certeza que a sua "cara de parvo" se deve à caracterização). Conforme tinha previsto, a personagem cresce neste filme, deixando de ser, em grande medida, o "puto mimado" que era no filme anterior e atravessando períodos de grande crescimento pessoal. O facto de o próprio filme reconhecer que o Kylo Ren não é nenhum Darth Vader e de lhe "tirar" a máscara, em minha opinião, resultou muito bem. Se, no próximo filme, lhe concederem o direito a um corte de cabelo em condições, prevejo que teremos um vilão em termos.

Ora, deitar abaixo é fácil, sobretudo quando o filme não é lá muito bom, mas eu proponho-me ir mais longe e, ao invés das centenas de milhar de fãs que assinaram a petição para a Disney remover este filme do cannon, arranjar maneira de o compor:

Primeiro: separar o filme em dois. Eu sei, não é fácil. Não é mesmo nada fácil, mas eu tenho uma proposta. O maior obstáculo em dissociar a perseguição das cenas da Rey é o quarto acto, que junta as duas histórias. Faz falta um intervalo de tempo implícito, e não tem que ser extenso - bastava um dia ou dois, para o Kylo Ren recuperar o fôlego - mas isso é só o primeiro passo.

Estamos agora perante dois filmes, que sucedem em paralelo durante o mesmo espaço de tempo, mas paralelamente. Ao filme 'A', chamarei, provisoriamente, "A História da Rey" e ao filme 'B' "A Outra História", porque me recuso a chamar-lhe "A História da Voldo".

"A História da Rey" começa onde o filme anterior acabou. O arco A prende-se com a Rey e o Luke, desenvolvendo o treino dela para lá de sentar-se num calhau e sentir a Força; gostei de reticência que o Luke demonstra em treiná-la (afinal o Yoda também se tinha recusado a treinar o Luke, e por motivos semelhantes, e ter que este último lhe tenha aparecido como o Obi-Wan Kenobi tinha feito antes caiu-me muito bem), mas a coisa podia ter evoluído, e dado o ambiente que o filme se deu ao trabalho de estabelecer, podia ter dado azo a cenas de treino semelhantes às do Episódo V, mas novas e, por ventura, mais estimulantes. O confronto físico entre o Luke e a Rey, muitíssimo para lá da "alucinação" do Luke na caverna de Dagobah, poderia perfeitamente ter servido de ponto de partida para que o Luke ensinasse à Rey o que tivesse aprendido de combate com um sabre de luz durante os anos em que tentou treinar uma nova geração de Jedis. Aparte disso, o Chewbacca também estava com eles, e podia perfeitamente ter tido mais tempo de écran. Entretanto, o arco B concentra-se no Kylo Ren, no seu amadurecimento e na recuperação dos seus ferimentos. Salvaguardaremos a sua participação na batalha inicial da perseguição para o "outro" filme, mas veremos a sua perspectiva da perseguição. É também uma oportunidade para o Snoke revelar a sua história, através de um paralelo com o treino da Rey, durante o qual vai treinando o Kylo Ren. Semelhantemente, os diálogos entre o Kylo Ren e a Rey podem ser aprofundados com trocas de impressões acerca dos respectivos treinos, afastando-os das filosofias essencialmente light-side ou dark-side dos seus mestres, reforçando a noção de que algum deles mude de facção, como veio a ser indiciado. No terceiro acto deste filme, a Rey confronta o Kylo Ren e o Snoke, o que culmina na batalha que vimos, e o filme termina com a Rey, tendo encontrado o Finn, a Rose e o BB-8 (go with it...) a juntar-se à resistência no bunker e o Kylo Ren a estabelecer a sua liderança sobre a Primeira Ordem.

"A Outra História" começa onde começa o filme que estamos a tentar emendar, com a evacuação da base dos rebeldes e a batalha que se segue. O Kylo Ren lidera um ataque sobre o cruzador principal, não se consegue forçar a matar a mãe (gostei desse pormenor; enquadra-se bem no que o filme já tinha estabelecido acerca dele), mas isso não impede o ataque dos outros membros do esquadrão. A Leia morre, não só porque isso nos poupa à Mary Poppins - in SPAAAAAACEEEE, mas também porque, com a morte do Han no filme anterior e do Luke no final deste filme (e, porque não, da actriz Carrie Fisher, que tinha toda a razão quando dizia que o Trump não seria presidente enquanto ela fosse viva), se estes novos filmes se quisessem distanciar da triologia clássica (o que eu aplaudo; desbravai o vosso próprio caminho), não procederiam de outra forma. Uma almirante (concedo que seja uma senhora, desde que não tenha cabelo de cores estranhas - ruiva, loira, morena, negra, asiátia, latina, mestiça, ameríndia, arborígena, alienígena... com tanto e tão bom por onde escolher, para quê inventar!?) é nomeada para liderar a resistência. Concedo que esta entre em conflicto com o Poe, e mesmo que o desautorize, mas, ao menos, que lhe explique que o plano é abrigarem-se. Noutro gesto de afastamento dos clássicos, este filme concentra-se mais na fuga do cruzador enquanto tenta, por todos os meios, minimizar as perdas da frota, mais à semelhança do "Battlestar Galactica". Introduza-se um campo de asteróides esparso, por exemplo (nada que não já tenhamos visto no Star Wars), que introduza interferência nos sensores da Primeira Ordem e sirva de abrigo à frota, ainda que temporário, para equilibrar as probabilidades. O arco A prende-se com, do lado dos rebeldes, por um lado o dá-e-tira que o campo de asteróides confere na forma de alguma protecção, mas também perigos acrescidos; e, por outro, o desenvolvimento tanto do Poe como da almirante, à medida que discordam quanto a que medidas tomar face a cada problema, com um a defender uma resposta imediata vesrus um plano a longo prazo proposto por outro. Do lado da primeira ordem, estes conflitos são ecoados na forma, respectivamente, das medidas do Primeira Ordem para lidar com os asteróides, tanto na medida de se protegerem deles como de atacarem através deles, e das sucessivas disputas entre o General Hux e o Kylo Ren pelo controlo da frota. Entretanto, o arco B prende-se com o Finn, a Rose (se tiver que ser, seja) e o BB-8 que, desta vez, em vez de irem procurar o feiticeiro de Oz no fim da estrada de tijolos amarelos, arranjaram maneira de se infiltrar no dreadnaught (como? Então, por exemplo... lançaram-se numa cápsula de fuga para cima de um asteróide, depois fizeram figas com muita força para que ninguém do outro lado se lembrasse de rebentar com esse mesmo asteróide até estarem perto do hangar e depois, sem ninguém dar conta... mas agora sou que escrevo estes filmes!? É que a Disney não me paga nada - por enquanto!) e andam, por um lado, a sabotar os maus sempre que podem, e, por outro, a evitar ser descobertos, até serem capturados no final do segundo acto. No princípio do terceiro acto, que coincide com o fim d'"A História da Rey", a Rey, vinda do confronto com o Snoke e o Kylo Ren, encontra e liberta o Finn et al., e todos fogem em direcção ao cruzador da resistência. A comoção no dreadnaught dá aos rebeldes a oportunidade de que precisam para chegar ao planeta, mas a Primeira Ordem não se deixa enganar, e, assim que o Kylo Ren estabelece o controlo, avança em direcção ao planeta. Entretanto, os rebeldes empregam o tempo que o conflito entre o Kylo Ren e o General Hux lhes confere para fortificar devidamente a sua nova base. Sucese-se uma batalha em terra em tudo semelhante à do quarto acto do filme que queremos emendar e o filme acaba da mesma maneira.

É uma solução perfeita? Não, claro que não, mas é o melhor que consigo fazer assim de repente, sem arrasar com tudo o que o Rian Johnson fez e começar do zero. Recordai-vos do princípio popular entre os programadores: Garbage In, Garbage Out.

Pax vobiscum atque vale.