O "Frozen" saiu em 2013 (há já quase 5 anos), é dedicado a uma demografia que não nos inclui especificamente e, excepção feita aos de nós que têm filhotes e filhotas pequeninos, não deiva ser assim muito interessante...
... mas eu acho que é!
Antes que surja o comentário "ainda agora!?" ou "já vens tarde para essa festa", eu não vi o filme só esta semana (mas confesso que o vi mais vezes esta semana que desde 2013 até então) - vi-o, pela primeira vez, só em 2014 ou '15 (já foi para o tarde...), mas desde então que é o meu filme da Disney favorito (também ainda não os vi todos...), e recordo que isso inclui os filmes da Marvel de cerca de 2012 para cá (o que inclui muitas coisas giras!).
Sucede que o "Frozen" tem, no meu entender, uma série de "mensagens" ou "morais da história" que eu acho fantásticas não só pelo seu teor, mas também por irem tão "contra o grão" do que é costume nos filmes da Disney. A saber (e dividido por personaem):
Olaf:
- Não se levem demasiado a sério. Não vale a pena.
- Vede sempre o lado positivo. Não é a imagem completa da situação, mas é mais agradável que a alternativa. Não vos esqueceis é de ver o resto também!
- Tende cuidado com os vossos sonhos. Em menos de um fósforo se tornam pesadelos cor-de-rosa.
Wandering Oaken:
- Ser simpático não implica, necessariamente, ser um capacho. Sede cordiais com toda a gente que não vos chame de bandido (ou outras coisas na mesma veia), e arremessai com o resto de volta para a intempérie - é mais que o que eles merecem.
- A intransigência só vos leva até certo ponto, mas, ao menos, leva-vos a algum lado. Podeis sempre mudar então.
- Peixe marinado em soda cáustica não é boa ideia (isto não decorre directamente do filme, mas é um bom conselho, dê lá por onde der...).
Kristoff:
- Se estais bem conforme estais, não mudeis por causa de mulher (ou homem) bonita (/o) nenhuma (/nenhum). Nem todas podem ou querem repôr o trenó que vos custarem.
- Mais vale falar com uma rena que dar em maluco, mas, se a rena vos responder, uma coisa pode não ter invalidado a outra.
- A família não se escolhe, mas os amigos sim. Não tenhais medo de serdes vós mesmos a ditar quem é ou não é importante para vocês.
Elsa:
- Se fordes extraordinários, não vos faz bem nenhum fazerdes-vos passar por vulgares.
- Recalcar medos, sentimentos e ansiedades não os suprime; só adia a sua incidência para quando não fordes capazes de os deter. Lidai com eles hoje. Agora. Já!
- Se tudo e todos vos fazem da vida um inferno, mandai tudo e todos a determinada parte e recomeçai. Bastando que aprendeis de umas vezes para as outras, correrá sempre melhor que antes.
- Às vezes, sem querer, magoamos as pessoas de quem mais gostamos, mas, se mostrarmos que estamos realmente arrependidos, elas perdoam-nos. Se não, "let it go"; estais melhores sozinhos.
Anna:
- O príncipe encantado é uma fraude.
- Por mais moralmente bons que sejais, os inescrupulosos não se ensaiam nada em explorar a vossa bondade, inocência e ingenuidade. Desconfiai.
- O amor fraternal é mais interessante que esse ópio do amor romântico.
- "Bros before hos" também vale para as senhoras. A mesma luz alumia a primeira "moral da história" desta personagem.
- Mesmo as pessoas que vos são mais próximas têm direito aos seus segredos. Deixai-las guardá-los.
Marshmallow (é o único nome dado (e pelo Olaf) ao "golem" de neve que a Elsa conjura, e tendes de ver a cena "escondida" depois dos créditos para entender):
- Não interessa o vosso aspecto, função, propósito ou as condições do vosso nascimento: tendes o direito a ser felizes e não permiti a ninguém sequer achar que tem o direito de vos julgar pelo que vos faz feliz (e ainda menos que outrém dite o que é que pode ou não pode fazer-vos felizes).
Bem, agora acho que tenho de criticar o filme pelos seus méritos enquanto filme. Assim sendo:
Esteticamente: a animação está muito boa e a linguagem visual do filme é consistente e agradável. É interessante que os animadores e demais artistas tenham conseguido criar personagens atraentes e mesmo algo sensuais sem as sobre-sexualizar. Contrastai com Ariel ("The Little Mermaid"*, 1989) ou Jasmine ("Aladdin", 1992) que passam a maior parte dos respectivos filmes com os braços, ombros, e umbigo desnudos (o que também não quer dizer que devessem andar de burqua). Se não fossem as cabeças deliberadamente "gigantes" para as tornar mais apelativas às camadas mais jovens, que talvez respondessem menos entusiasmadamente a um estilo gráfico mais realista (recordai o "fracasso" comercial do "Pocahontas", 1995, que, para além de respeitar mais aproximadamente as proporções do corpo humano e ter uma história mais apelativa a mais camadas etárias e ter números musicais aproximadamente igualmente aclamados que "The Lion King", 1994, com o qual foi produzido e lançado mais ou menos em simultâneo, ficou muito aquém deste último, que o superou em toda a linha comercial (i.e., dinheiro auferido em bilheteira, vendas de vídeo doméstico e merchandising)), não teria sequer o argumento de que tanto a Elsa como a Anna têm cinturas mais estreitas que os próprios crânios. No entanto, as mesmas cinturas são perfeitamente proporcionais aos respectivos ombros e ancas (contrastantemente, tanto a Ariel como a maior parte das princesas mais antigas (e.g., Aurora ("Sleeping Beauty", 1959), a titular Branca de Neve (1937), Ella** ("Cinderella", 1950), Belle ("Beauty and the Beast", 1991) e mesmo a própria Pocahontas) têm cinturas impossivelmente estreitas, mais características da Barbie original (que, caso vos tenhais esquecido, tinha sido modelada com base numa boneca sexual insuflável da era) que de uma mulher). As cores são escolhidas judiciosamente e muito bem empregues.
Elenco: Esta secção é um bocado "injusta", na medida em que, num filme de animação, parte do mérito que, num filme live action, seria atribuído aos actores é relegado para os desenhadores e animadores. Para além disso, quando a responsabilidade de "casar" o som com a imagem é aliviada pela natureza disjunta dos dois, a possibilidade de melhorar o desempenho dos actores através de meios desrelacionados dos mesmos aumenta (e nenhum de nós é suficientemente naïf ao ponto de julgar que a Disney não tiraria partido deste meio). Dito isto, tenho que gabar o actor Josh Gad (Olaf) pela inexorável "boa onda" que confere à sua personagem. Kristen Bell é quem mais "fala" e canta, e faz ambas muito bem, criando uma voz e uma entoação muito expectáveis da sua personagem (assumindo que nenhuma qualidade foi forjada no crucíbulo dos editores de áudio do Tio Walt). Idina Menzel (Elsa), apesar de ter menos "tempo de antena", não fica atrás da precedente em nenhuma das duas capacidades, chegando mesmo a superar (em minha opinião) Bell enquanto cantora (o que, dados o historial e a formação das duas actrizes, só no caso inverso seria surpreendente). Acrescento ainda que, durante as falas em "solfejo rezado", Menzel emprega uma voz muito pouco característica de um desenho animado (pelo que quero dizer mais sóbria e mais realista), mas que resulta muito bem (apropos, e porque, como sabeis, eu gosto de trivialidades, foi essa característica que auferiu à actriz Mila Kunis o papel da voz de Meg na série "Family Guy"). Jonathan Groff (Kristoff), cuja personagem, para além de falar por si mesma, "fala" pela sua rena numa voz algo diferente da sua, faz exactamente o oposto quando "dá voz" ao Sven, e o mesmo também resulta muito bem. Os demais não fazem nada de errado, mas não têm tempo de se "destacar", com excepção de Chris Williams (Oaken), que conta com mais acreditações enquanto escritor, realizador ou animador que enquanto actor (e, mesmo assim, faz um papelão, ainda que pequenino).
Música: Não seria um filme da Disney sem umas cantigas pelo meio. As deste filme contam com a característica invulgar de term sido todas escritas e compostas pelo mesmo casal no mesmo dia. Desta forma, todas têm certas semelhanças melódicas, mas não o suficiente para o filme "soar todo ao mesmo" (esta expressão aprendi-a de um sonorista freelance com quem trabalhei este ano e a quem mando um grande abraço). Liricamente, este processo invulgar não deixa de causar os seus "estragos"; nomeadamente, "door" rima com "any more" não menos de 5 vezes durante todo o filme e, no número mais afamado ("Let It Go"), a letra da ponte é um bocado "duvidosa" (desculpem, mas, por mais inteligente que ache incluir "fractals" e "crystallises" numa música cantada por uma criomante, já que o gelo forma cristais que, frequentemente, exibem geometria fractal, "My power flurries trough the air into the ground / My soul is spiralling in frozen fractals all around / And one thought crystallises like an icy blast"*** não me convence enquanto letra de uma músca; é exposição a mais, no meu entender). Mas a parte instrumental é impecável.
Enredo: Passei metade do post a dizer que é bom; que mais querem!?
Em resumo: Se ainda não o viram, o mais provavel é também já não o verem, mas podia dar-vos para pior.
"Leitura" relacionada:
Mas a grande questão que está ainda por responder é: Por que diabo havia de criticar um filme com quase meia década, do qual já se disse mais que tudo o que havia para dizer? Simplesmente porque, a não ser que se descubra algum buraco recôndito onde ainda não se descobriu o Frozen (o que não é completamente impossível, agora que se fala mais ou menos a sério de colonizar Marte), já mais ninguém deve publicar críticas deste filme, de maneira que talvez seja esta a última crítica do Frozen de sempre. Se assim for, lembrem-se do meu nome (se quiserem). Em todo o caso, também já quase ninguém cá pára para reparar na irrelevância do post e eu gosto é de escrever (não só código, caso não seja evidente).
Falta dizer que certas pessoas envolvidas na produção do filme, nomeadamente Jennifer Lee, que co-escreveu a história e o guião e a actriz Idina Menzel (creio) gabaram o filme como sendo um filme algo "feminista", por ser protagonizado por duas personagens femininas e não cair no estereótipo da princesa que, assim que conquista o príncipe encantado, vive feliz para sempre (mas acho graça a que continue a tradição de substituir o que, num filme para uma audiência mais adulta, facilmente seria, digamos, uma queca, por uma canção. Se achais que estou enganado, procurai e lede muito bem, à luz desta revelação e das suas posições nos respectivos filmes, as letras das músicas "Colours of the Wind" ("Pocahontas"), "A Whole New World" ("Aladdin") e "Can You Feel The Love Tonight" ("The Lion King")). Nada contra, mas estou convencido que, por cinco escudos e um Toblerone, a Anita Sarkeesian fazia um vídeo de 15 minutos no Youtube a dizer que o filme é um produto da patriarquia misógina guiada pelo olhar masculino que pretende objectificar e oprimir todas as mulheres do mundo para sempre e é pior que literalmente o Hitler. Por outro lado, só o há de fazer em 2127, quando já tiver falecido de causas naturais, e ninguém desconfiará de assassinato para impedir que essa cabra miserável me roube a glória de ter sido o autor da última crítica de sempre do Frozen... Ahem, quinta emenda, por favor...
Pronto, agora já só falta mesmo o
Pax vobiscum atque vale.
... e os asteriscos:
* Sim, é dizer o mesmo que "A Pequena Sereia". Sim, é um bocado pretensioso usar os título em inglês no meio de um texto em português quando todos os envolvidos sabem perfeitamente quais são os seus equivalentes. Mas eu tenho um fetiche em particular por títulos originais. Deal with it.
** Sim, o nome da protagonista em todo o filme é dado como "Cinderella", mas a história só se chama "Cinderella" porque, nos países anglófonos, "cinder" refere-se às farripinhas ardidas que as fagulhas deixam e que recobrem quem se aquece junto de um borralho (e agora sabeis, se não sabieis antes, como de "Cinderella" chegamos a "Gata Borralheira") e que, no período em que se passa a história, eram uma "marca" de pobreza ou de servidão. Justaposto com o nome próprio "Ella", chegamos a "Cinderella", cujo título original, em italiano, é "Cenerentola", que resulta da justaposição de "cenere" com o diminutivo "Tola" da personagem principal, "Zezolla". Por isso, escolho usar o nome "Ella" para me referir à personagem e "Cinderella" para me referir ao filme ou ao conto. Deal with it.
*** Se voz faz impressão não dizer que ideia é que cristaliza como uma rajada gélida ou se simplesmente vos incomoda que não acabe a rima, "I'm never going back, the past is in the past", mas não tenho nada contra este verso.
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