2013-05-30

A fúria dos homens do norte.

800 anos depois de Cristo, a Europa possuia 3 blocos de poder.

O bloco islâmico, com uma religião\governo extremamente bem organizada. O "governo", era nem mais nem menos que o meio para a religião expandir, e esta estabilidade de governo permitia segurança. Em que é que isto se traduzia? Pessoas seguras e bem alimentadas dedicam-se à ciência, cultura, e assim o bloco islâmico progredia.



Depois o bloco Católico. Ainda a recompor-se da queda do império Romano no ocidente, usava a religião como modo de controlo. O rei era escolhido por Deus para governar, e o povo embrutecido e receoso da ira Divina e da foice islâmica que ameaçava por todo o lado  (islão na peninsula ibérica, o sul de itália e sicilia islâmios, e o império bizantino a este com hordas à sua porta) aceitava o Rei Divino.


Por fim, temos os Pagãos. Atenção, não confundir com hereges (porque o herege é aquele que por definição se desviava do ensinamento canon do Católico). O bloco Pagão era um autêntico monstro adormecido na Europa. Adoradores dos "Deuses Antigos", eram desde os Sami, os Tengri, os eslavos, até aos nórdicos.



Vou tentar não divagar muito. Mas uma religião organizada (como Islão ou Catolicismo) foi uma grande vitória para controlo de populações. Não roubes porque Deus castiga. Não mates ou te revoltes. Aceita as ordens. Paga os impostos para o bem comum. Em tudo isto as religiões organizadas eram um grande trunfo para a elite governante.

É aqui mesmo que está o grande problema pagão. Para estes pagãos, não há nem céu nem inferno. Quando morres vais para os infernos, ponto. Na melhor das hipóteses apodreces no chão. A ideia era então viver uma "boa vida".Combate, ouro, mulheres e concubinas era a ideia normalmente aceite como uma "boa vida". É claro, os "governos" pagãos eram tão estáveis como um castelo de cartas. Assim que um governante morria, as populações não aceitavam o filho como líder natural. Seguiam o mais forte.


Quando a Europa começa a aquecer ( no chamado período quente da idade média), os países mais a norte, habituados ao frio e poucas colheitas, enfrentam de repente um boom na comida disponível e na população. Especialmente os pagãos nórdicos, cujo panteão divino era quase composto por 12 deuses da guerra, quando se vêm cheios de homens adultos sem nada para fazer, só lhes passa uma coisa pela cabeça:
Vamos para a Guerra.

A Europa tremeu.

É especialmente entre os anos de 840 e 860, que o terror chegou a tal ponto que grande parte do mundo Católico da altura estava convencido que estavam a viver os últimos dias, o Armagedão.


Queria falar com mais detalhe de 2 figuras especialmente importantes:
Ragnar e Rurik. Ambos estão envoltos em neblina lendária, mas a certeza das suas figuras históricas dificilmente pode ser negada. A imagem que temos deles foi desenhada a escrita pelos seus inimigos ("nós"...), o que faz com que as suas histórias sejam ainda mais impressionantes, porque é bem provável que os seus feitos tenham sido menorizados no relato escrito.

Rurik decidiu saquear, pilhar e invadir para Este. Aliás, o que está escrito é que as tribos pagãs que ocupavam o que hoje é a Russia, chamam os Varângios (Vikings, nórdicos, chamem-lhes o que quiserem) para por fim a uma guerra civil. Seria o equivalente aos USA pedirem à Coreia do Norte para policiar Nova York... mas enfim, quem sou eu para contestar. Os Varângios, pessoal ordeiro e bem comportado, liderados por Rurik acabam com a guerra civil e não só. Manda o poder local à fava, e estabelece ele próprio um Reino nas terras que foi contratado para apaziguar.

Qual a importância de Rurik? Este pequeno reino que eles estabeleceu foi a fundação do reino de Rus.
Imaginam ao que deu origem Rus? Deu origem ao reino de Rus de Kiev. Mais tarde grande Reino de Moscovo, e mais tarde o Reino dos Tsars da Russia. Esta nem Afonso Henriques bate...

A dinastia dos descendentes de Rurik, começa em 860 a acaba quase em 1600. Moldou para sempre o Este Europeu.

Vamos a uma figura mais contestada. Ragnar!
Fontes inglesas e francesas medievais chegam a dizer que Ragnar não existiu. Foi mito. O sobrenome dele provavelmente significava "calças cheias de fezes", pois, segundo as mesmas fontes, morreu de diarreia!
Se fosse eu a viver em Inglaterra ou França nessa época, até acrescentava: Ragnar era meio anão, com apenas 1.20m de altura. Cego de um olho e vesgo do outro. Coxo das duas pernas e infértil.


Muito reais foram os filhos de Ragnar, isso ninguém tem dúvidas, portanto causa-me espécie em como é possível considerar os filhos figuras histórias, mas o pai como mito.... Adiante!

Ragnar Lothbrok, ao contrário de Rurik, virou, no mesmo período de tempo, as atenções para Oeste: França e Inglaterra. O salteador Viking médio usava cota de malha, escudo redondo, espada curta ou machado de cabo curto e fazia do saque e combate a sua profissão. Quando chegam à costa inglesa encontram Saxões cuja dedicação principal era a ceifa do cereal, equipados com lança curta, a roupa que tinham no corpo,e o pedaço de madeira mais próximo a servir de escudo. Não é de admirar que os combates pendam apenas para um lado. Os franceses não foram melhores diga-se em defesa dos ingleses...



Ragnar e seus homens pilharam praticamente tudo o que se encontrava perto da costa ou da margem de um rio, desde a Escócia até Paris. Não lhes interessava grandemente se eras um Rei, camponês armado, mulher, monge ou criança, o tratamento era brutal e igual. Nestes anos em Inglaterra, as orações passaram a conter:

A Furore Normannorum libera nos, Domine - Livrai-nos Senhor da fúria dos homens do Norte.

Em 845 Ragnar desce o rio Sena até Paris, com cerca de 100 barcos. Pilha, saqueia e faz dos habitantes de Paris aquilo que bem lhe apetece (não vou entrar em detalhes, mas 5000 homens a ocupar Paris durante dias não foi pera doce...). O rei dos Francos paga a Ragnar 2500kg em prata e ouro para Ragnar se ir embora. E embora Ragnar foi (pilhando mais uns mosteiros no caminho de volta é claro). Conta-se que, quando Ragnar volta a casa, que chora ao se recordar que no meio de tanto tempo em pilhagem, não teve ninguém que lhe tivesse dado uma, uma luta sequer que seja digna de ser contada, tendo aliás perdido mais homens para um surto de peste do que em combate.



Como já tinha referido, fontes Francesas e Inglesas dizem que Ragnar morre de "diarreia" nalgum recanto remoto. Mas as fontes nórdicas dizem que, quando Ragnar volta às pilhagens em Inglaterra, Aella, um tirano local que usurpa o poder em York o consegue capturar e rapidamente o atira a um "poço de serpentes". O que é facto é que os filhos de Ragnar amassam aquilo que é chamado de "O grande exército pagão" e vingam o seu Pai passando a Inglaterra a ferro e fogo nos próximos anos.


Pode este relato parecer nada mais que o resumo de actos bárbaros infligidos nos povos ordeiros da Europa, mas não é verdade. Foi esta brutalidade Viking que marca para sempre a nobreza Europeia. Foi a altura de acordar. Era necessário ter um exército profissional. Forças a cavalo móveis. Mas acima de tudo, tornou-se uma emergência a derrota dos povos do norte. E foram realmente derrotados, mas nunca no campo de batalha. Os vikings foram simplesmente convertidos. Um Católico não pilha e mata um irmão da fé. 

Depois de convertidos foram dos maiores aliados do Cristianismo no Oriente. Os Bizantinos passaram a manter um contingente de "guardas Varangios", composto exclusivamente de nórdicos e pagos a peso de ouro, usados em momentos cruciais nos combates contra o Islão.







2013-05-24

Geek mode On! - Python Checksum 16

Visto que nos últimos tempos não tenho feito outra coisa senão andar a programar Python 3 para redes, achei que seria interessante passar esta pequena função que tanta importância tem, para fazer o checksum 16bits em pacotes de rede (IP, TCP, UDP etc...)


1:  import array  
2:    
3:  def checksum16(byteStrIn):  
4:    byteStringCpy = byteStrIn + bytes([0]* (len(byteStrIn)%2))  
5:    tmpArray = array.array("H", byteStringCpy)      
6:    tmpArray.byteswap()  
7:    cksum = sum(tmpArray)  
8:    cksum = (cksum >> 16) + (cksum & 0xffff)  
9:    cksum += (cksum >> 16)    
10:    return (~cksum) & 0xFFFF  

PS: O código HTML foi gerado aqui!

2013-05-15

WW2 e bruxas.

Normalmente, WW2 e bruxas na mesma frase só por lapso.
Nas não! É claro que nunca ninguém espera a inquisição espanhola e as suas bruxas, mas o título deste post tem razão de ser.

Apresento o Focke-Wulf FW 190
Atingindo 650 km/h a 6000m de altitude, 800km de raio de alcance, foi o caça alemão de eleição durante o conflito. Superior durante grande parte do conflito às variantes soviéticas, francesas e britânicas.

Apresento o Polikarpov Po-2
Com uma sofrível velocidade de 110km/h, feito de madeira, esta relíquia da década de 20 parece estar deslocada no superconflicto que foi a ww2.




Mas aqui entram as bruxas. 
Ao contrário de muitos dos exércitos da época, os Soviéticos eram muito práticos quando à igualdade dos sexos:
Consegue pegar numa arma? Bem vinda ao exército Vermelho!

Foi assim que mulheres como Natalya Meklin criaram as Bruxas da noite (bom, na verdade criaram o 588º regimento de bombardeiros nocturnos, o nome de bruxas da noite foi dado pelos alemães, mas adiante)

O 588º pilotava exclusivamente Polikarpov's em missões nocturnas de alto risco.
O avião era low tech? Era.
O avião era um pedaço de lenha com asas? Era.
O que fizeram então com este avião que lhes mereceu a alcunha?

A vida de um soldado de infantaria na frente de batalha não era fácil. Nervos em franja grande parte do dia, era de noite que se tentava umas horas de reposo. No início do conflito, os soldados alemãs ainda faziam fogueiras à noite para se manterem quentes e mais confortáveis... mas então começaram a vir as bruxas:

Usando o Polikarpov, voando quase rente ao chão e a baixa velocidade. Quando se aproximavam da frente, desligavam o motor e simplesmente deslizavam pelo ar, sem qualquer ruído aerodinâmico (madeira, lembram-se?) nem mecânico (motor desligado). Chegavam perto dos locais de repouso dos soldados, e largavam 6 bombas de 50kg. O próximo ruído que se ouvia, era semelhante a uma máquina de costura, vindo do motor do avião já a se afastar. Estes bombardeamentos causavam mais do que baixas. Em breve, deixou de haver fogueiras à noite para o lado Alemão, os soldados dispersavam-se para tentarem dormir e o simples ruído de um pássaro a bater as asas podia levantar o alerta, com medo das "bruxas da noite". 

É claro, os Fock-Wulf tentavam interceptar o inimigo depois de largadas as bombas. Um avião a 100km/h não pode fugir a um caça. Um pardal não foge a uma águia, certo?

Hehe, quando o Wulf enfrentava o Polikarpov durante a noite acontecia normalmente 1 de 3 coisas:
  1. O Wulf acabava o combustível ou a munição sem mandar o Polikarpov abaixo. É incível o que um pedaço de lenha com um motor aguenta. Depois de atingido não perdia as suas características aerodinâmicas.
  2. O Polikarpov voava perto do solo, enquanto que o Wulf necessitava de se manter em altitude. Tinha de se aproximar perigosamente do solo (a 600km\h!) para poder sequer disparar!
  3. A velocidade máxima do Polikarpov era inferior da velocidade mínima do Wulf! Um Fock-Wulf, se reduzisse a velocidade para os 110km\h caia a pique e fora de controlo! Aliás, há mais de um caso de Fock-Wulfs que se auto-despenharam para tentar abater um Polikarpov!
As "Bruxas da noite" voaram mais de 23.000 missões, largando mais de 3.000.000kg de bombas

O Polikarpov-P2 foi dos aviões mais produzidos na história da aviação e, a última baixa que provocou foi em 1954, quando um F-94 americano reduziu a velocidade em demasia e se despenhou, enquanto tentava abater um P2.



2013-05-10

Entre o Martelo e o Islão, o dia que mudou o mundo

Por volta o ano 622, começa na península Arábica com o profeta Maomé  um fervor relígioso (e político, porque não) que iria mudar o mundo . Em pouco mais de 10 anos a península está sob o domínio de um único Calipha, e começa a pressão sobre o já decadente Império Bizantino (o que sobrou do império Romano) 




O resto da Europa é uma manta de retalhos de tribos germânicas, que tinham completamente atropelado o império Romano Ocidental depois de 375. Com a queda de roma, cai também a Europa nas chamadas "Dark Ages". Povos "bárbaros", fronteiras pouco definidas, sem língua comum, retrocessos civilizacionais  militares e científicos.



Não é de admirar que assim que o Islão bate à porta de península ibérica, as tribos Visigodas desmoronam e  recuam para o norte montanhoso da península e para França, além dos Pirenéus  O califado Umayyad absorveu e adoptou as tácticas de todos os povos, tribos e até Impérios que enfrentou (absorveu inclusive o que restava dos Persas), e na altura que chegou à Península era uma horda com a melhor tecnologia da época. Sabres recurvados, fáceis e rápidos de manejar, infantaria irregular que era usada para fustigar linhas de mantimentos, mas acima de tudo, a adopção do estribo na sua cavalaria permitia que o cavaleiro tivesse maior equilíbrio, controlo, mas acima de tudo, permitia a utilização de mais armadura e armas mais pesadas a cavalo.



O resultado? Um aglomerado de camponeses visigóticos, que eram obrigados pelo seu senhor local a lutar no tempo entre as colheitas, e assim que a cavalaria Umayyad entrava em contacto com a linha inimiga, era uma debandada descontrolada. A desvantagem desta cavalaria era a dificuldade de lutar em terreno montanhoso. Daí a continuidade do enclave cristão nas astúrias (que recebia mantimentos por mar), e a "segurança" que as tribos Francas sentiam.

Mas um senhor dos Francos perdia o sono todas as noites com a situação na Ibéria, Carolus Martlelus (Karl Martel, Carlos Martel) acreditava que era um questão de tempos até que a barreira dos Pirenéus fosse ultrapassada pela torrente islâmica. Outros lideres Francos ignoravam a questão, ainda por cima quando a primeira onda Umayyad invadiu o Sul de França, Odo, o Grande teve uma vitória relativamente fácil ao emboscar o exército inimigo.



Entretanto, Martelus fazia o impensável, até ao ponto de o acusarem de herege. Como já tinha referido, desde a queda do Império que não existiam exércitos profissionais na Europa. Quando havia guerra eram levantadas as milícias, milícias estas compostas de gente simples cuja maior preocupação era voltar a casa a tempo da colheita. Martelus, durante 10 anos, retirou terra e dinheiro à igreja (até o Vaticano esteve há beira de o excomungar), pegou no melhor que as tribos Francas tinham, e fez-lhes uma proposta:

Lutem por mim, todo o ano, e eu não só vos pago, como alimento as vossas famílias.

E durante estes 10 anos treinou, alimentou, e pagou um exército para combater um inimigo invisível.
E foi só em 732, na grande invasão muçulmana que todos os Francos se viraram para Carolus. O próprio Odo, que tinha derrotado a primeira expedição, jurou vassalagem a Carolus caso ele o ajudasse.

Já a invasão Umayyad está a chegar a Tours (bem no norte de França!) que Carolus aparece no campo de batalha.


Minto. Na verdade, são os muçulmanos que aparecem no campo de batalha, pois os Francos fizeram questão de chegar mais cedo e escolher o terreno. O exército de Carolus era em tudo diferente do que havia no mundo naquela época. Treinado durante 10 anos, exclusivamente de infantaria pesada (e quando digo pesada devia dizer mesmo pesada, cada homem tinha cerca de 35kg da melhor armadura que o dinheiro comprava na altura, tudo pago por Martelus) e em formação cerrada, quase se assemelhando à falange Grega.



Para agravar, escolheram uma posição numa colina, por detrás de um pequeno bosque. A horda muçulmana tinha um dilema. Sabia que ali estava um inimigo, inimigo esse que impedia a pilhagem de Tours. Mas não fazia ideia de quantos são, nem como estavam organizados. Tudo o que os muçulmanos tinham enfrentado em 100 anos de guerra até aquela data no ocidente eram bárbaros desorganizados, o que podia correr mal?

Abd-al-Rahmân liderava a hoste Umayyad, e podia ter simplesmente ignorado a colina, ido à volta e em direcção a Tours. Mas mostrar fraqueza frente às suas tropas? Ainda por cima, contra bárbaros?

As escaramuças duraram sete dias, e durante esses 7 dias não conseguiram saber nem a disposição das tropas francas nem o seu número, pois Martelus usou as milícias para "salpicar" o terreno, dando a impressão que tinha, como esperado, uma tropa irregular e pouco disciplinada.

A carga muçulmana deve ter sido tremenda. 20.000 homens a cavalo deve criar um barulho e um tremor no próprio solo difícil de imaginar, mas quando passam a zona florestada e encontram uma linha sólida de ferro e láminas... bom, digamos que nesse dia, Carolus ganhou o cognome de Martellus (martelo). 

Foi muito mais do que a primeira grande derrota dos Califas. Era a última e única linha de defesa entre os Pirinéus e o Volga. Não havia literalmente nada para além dos francos de Carolus até se chegar às estepes russas e às hordas mongois. Demoraram 700 anos a reconquistar a Península Ibérica, que pensar caso e Europa tivesse sido inundada depois de 732?

Só em nota final, Martellus foi o primeiro da Dinastia dos Carolíngios  chamar-lhes os fundadores da Idade Média não é exagero. O seu neto foi Carlos Magno, rei dos Francos, dos Lombardos e Imperador do Sacro Império Romano.