2012-05-08

Revisitando a história: O memorando de Versalhes

Até 1914, a guerra era quase um acto de cavalheiros. Havia conflitos, morriam soldados, eram conquistados territórios mas tudo seguia um código específico. Por exemplo, quando Napoleão invadiu a Prússia (que na altura era conhecida com um exército que por acaso era dono de um país) a Prússia viu-se num dilema: armava as populações e ganhava o conflito, ou continuava com um exército estritamente profissional e perdia. O código de honra foi mais forte, a Prússia capitulou mas manteve a cabeça erguida - não armou a "plebe" como Napoleão fez.



1914-1918 foi diferente. A primeira guerra mundial (tecnicamente a segunda, pois a guerra dos 7 anos foi mundial, mas isso é outra história) mudou tudo. Não só na forma de fazer guerra, mas nos ódios gerados pela mortandade do conflito e nos acordos de "paz". Como sabem, o bloco alemão rendeu-se em 1918 e daí seguiu um tratado de Versalhes que exigia o pagamento de 269 mil milhões de marcos à Alemanha.

269 mil milhões de marcos era, na altura, o equivalente a 100.000 toneladas de ouro. Para terem uma noção do exigido à Alemanha, todo o ouro alguma vez minado pela raça humana desde o tempo dos primeiros homens até hoje (2012) é algo como 165.000 toneladas. Ou seja, uma dívida simplesmente colossal.



Contra todas as previsões inglesas e francesas, que previam recessão no pós guerra a Alemanha aumentou a produção de madeira, ferro, aço e carvão em 30-40%. Contra também as previsões dos economista da época que declaravam a dívida Alemã como "impagável" a Alemanha gerava mais do que dinheiro suficiente para pagar a dívida.

O problema então? A extorsão. O povo Alemão sentia-se humilhado e espezinhado. Gerava marcos para pagar um dívida que não sentia como sua. Não sentiam a derrota da primeira Guerra Mundial, porque efectivamente o seu exército não tinha sido derrotado, mas sim os políticos. Os termos do acordo de Versalhes não foram discutidos, mas sim impostos.

O resultado foi primeiro ligeiros atrasos no pagamento, e depois suspensões completas de pagamentos por parte da Alemanha. A França reage, e em 1923 ocupa territórios da Alemanha para "incentivar" o pagamento da dívida. Com esta ocupação, e só num ano, a França lucra 900 milhões de marcos. Isto gera uma reacção em cadeia. Ao ver-se privada de uma das suas regiões mais ricas (e motor da sua produção de madeira) a Alemanha entra em hiper-inflação para tentar pagar aos Franceses (o marco que em 1918 valia 5 dólares, passou em Janeiro de 1923 a valer 27,000 dólares, e em Dezembro do mesmo ano 4,200,000,000,000 dólares). Relembro que a ocupação de território Alemão foi contra o tratado de Versalhes, tratado esse que a Alemanha tinha de cumprir (ou seja, paga a dívida pelo tratado, mas não pode exigir a devolução de territórios anexados à revelia do mesmo).

Claro, o crash de 1929 e a grande depressão não ajudam, mas a verdade é que depois do partido Nazi chegar ao poder, a despesa militar era 7 vezes superior ao que a Alemanha teria de gastar se estivesse a pagar a dívida de 1918. Daqui para a frente sabemos o que acontece.



Essa "nuvem" difusa, com o nome de "vontade do povo", usada por partidos de ideologias extremistas para assaltar o poder paira novamente sobre a Europa. Não se trata realmente de dívidas, ou memorandos da Troika, trata-se de famílias sem dinheiro para comer, taxas de desemprego e repressão na forma de impostos e penhoras. O que acontece daqui para a frente, não faço ideia, sei sim aquilo que a nossa Europa é (infelizmente) boa a fazer: Guerra.

4 comments:

ArabianShark said...

Espera lá...

"(...) tratado de Versalhes que exigia o pagamento de 269 mil milhões de marcos (...)"

Mas,

"(...) só num ano, a França lucra 900.000 milhões de marcos."

Não quererá rever os números, General?

Peres said...

Não são 900.000 milhões, mas sim 900 milhões, correctíssimo.

Sintra said...

Achas que vem ai mais do mesmo? Desta vez a Alemanha esta novamente descontente, mas nao esta numa posicao muito ma.

ArabianShark said...

Não está em muito má posição, mas consigo ver a posição da Alemanha a enfraquecer rapidamente.

Considera que a Alemanha é, ao fim e ao cabo, uma economia relativamente forte, no panorama actual da Europa. Geralmente, a moeda de uma economia forte valoriza, mas, como a moeda da Alemanha é comum a uma data de economias fracas -- Portugal, Espanha, Grécia... -- a moeda alemã não pode valorizar. Pior: os bens de consumo de luxo, que a Alemanha tanto gosta de exportar -- Audis, BMWs, "Mercedeses", Porsches e, tecnicamente, Lamborghinis -- tornam-se estupidamente caros, porque são preçados numa moeda fraca, ou, pelo menos, não tão forte como seria de esperar face à economia alemã, o que faz com que as vendas fora da Alemanha baixem, porque menos gente tem dinheiro para os comprar. Rapidamente, a posição da própria Alemanha se deteriora...