2005-10-30

Histórias a mais

Não serei único nisto...mas sei que apenas eu o faço assim. Só eu vejo em cada passo que dou mais um na direcção do que me espera, em cada gota de água que decora o meu casaco uma gota de tinta que completa aquele cenário, em cada mulher que acho bela a donzela que devo salvar. Um mar a ser atravessado na poça que se deita no passeio perante mim, um desafio no mais pequeno problema com que me deparo.
Mais pessoas o fazem. Mas só eu o faço assim. Sou eu o único herói da minha vida, os outros não mais que figurantes mais ou menos importantes desta lenda já esquecida antes de sequer estar escrita. Então porque me importo com personagens secundárias? Porque embarco em longas conversas, me rio de piadas, me preocupo e me apaixono por outros? E porque sabe isso tão bem? Porque não posso viver sozinho, na perfeição do erro que sou? Sem seres fascinantes irrompendo por minha minúscula compreensão, divina no seu mundo que é o meu também?
Não posso viver comigo e os meus eus? Porque sofrer por outros é tão natural como a morte...e a morte é frustrante...é contrária ao herói que sou...porque um herói passa a vida lutando por ela. Para no fim esperar apenas que a sua história ainda ecoe...

3 comments:

Anonymous said...

hum.
apeteceu-me comentar:

confesso que coisas do genero: "os outros não mais que figurantes mais ou menos importantes desta lenda já esquecida antes de sequer estar escrita." soam-me a cliché, no entanto nao digo que escrevas mal;), até porque isso é tudo relativo.

claro que nao podes viver só com os teus "eus", nem narciso sem o seu espelho. só és heroi onde possas ser heroi, na tua micro sociedade. no fundo, somos herois do nosso mundo, o vertice do nosso mundo somos nós, os outros sao o que o sustentam. se calhar tem tudo a ver com "masturbaçao" do ego, ou coizassim.

conclusao: paciencia se nao prcebi o que escreveste. yeeey.

João Gante said...

Primeiro, quero confirmar à esquila que, de facto, por pouco não evacuei refeiçoes passadas ao reler o excerto que tu comentaste. Puro cliché, de facto...se não escrevo mal, não o soube demonstrar. Por outro lado, todas as histórias são clichés, porque o número de códigos de linguagem compreensiveis a várias pessoas são limitados. Mas eu não gostei, logo vou mudar...obrigado pela nota, sério.
Agora, vamos ao recheio. Não há politicamente correcto aqui. Ou secalhar há. Também há, sim...Mas o que há realmente é o centro de um mundo (eu, do meu) e os tais outros. Que eu nunca vi como "outros". E por isso mesmo sofro por eles. E estou farto. Mas mudar isso...? Morria, sem contacto. Sem me rir de uma piada. Depois há o idealismo...o pincel de cores vivas e preto com que pinto a vida. Não sei ver nada como sendo normal. Não sei ver normalmente.

Saurnil said...

"Não serei único nisto..." - certamente.
"...mas sei que apenas eu o faço assim." - também não é mentira nenhuma...

Cada segundo da tua vida é um momento do teu filme, quer pises um escarro no chão, te babes enquanto dormes, cada espirro, cada tremer de frio. Cada lágrima por quem sofres ou por quem te faz rir até que te doam os músculos da cara e barriga. Tornas cada momento único; ou inútil, até que mais tarde percebas que o teu filme seria incompleto sem essas imagens cortadas. O filme da vida não se faz sem momentos que pareçam vulgares. Tu és o teu próprio herói, tanto tempo quanto desejares. No entanto, precisas de personagens secundárias, e figurantes. Não precisas de ser o herói, se não o desejares. Podes viver sozinho. Não por muito tempo, não aguentarás, mas podes. Serás tu um herói, quando o fizeres?
Tenta ser a personagem secundária que a câmara segue porque é uma personagem importante para o desenlace. Acompanha os heróis, apoia os figurantes, afasta-te dos heróis ,voltando mais tarde, mais forte, mais capaz de apoiar os heróis, ou simplesmente leva uma vida tranquila, até que te aborreças. No teu filme, podes ser personagem principal mesmo sendo a personagem secundária. És personagem, mas acima de tudo és realizador, TU tomas as decisóes da tua personagem. A magia do teu filme está em não conheceres o guião, apenas tens uma visão global do argumento. Todo o argumentista gosta de uma boa reviravolta, e por vezes apenas consegues assumir o papel de personagem, presa à sua personalidade, totalmente incapaz de alterar o argumento. À custa do teu envolvimento com as outras personagens, da tua alegria, compaixão, aborrecimento, desavenças, sofrimento, sentimento de inutilidade ou inferioridade, desespero ou depressão, o teu historial de acontecimentos moldou e anexou uma personalidade à tua personagem principal (tu) que não consegue pode ser outra coisa que não seja o seu próprio Herói pessoal.
Se sentires isto em algum momento da tua vida, podes dizer que encontraste o que vale a pena na vida. Encontraste a felicidade.

Quando perderes a vida, deixarás este mundo tal como o conheçes, mas a tua história não será esquecida pelos que vivem. Fizeste parte da sua história, e agora, mais do que nunca, os vivos aperceber-se-ão da tua existência talvez nunca antes apercebida. Deixarás de ser o teu Herói para ser o herói, Um dos Heróis dos Vivos.