2016-06-20

Geringonças victorianas

(Está visto que neste blog só um gajo é que posta, mas, ao menos, posta que se desunha...)

Pois como julgo que sabeis, agora vivo e trabalho em S. João da Madeira, mas vou muitas vezes a Viseu no fim-de-semana, a implicação óbvia do mesmo sendo que tenho muitas vezes que voltar.

Ontem preparava-me para entrar na cidade, tendo saído da N224, e esperava vez para entrar na estradita que dá acesso ao que os locais chamam a "estrada velha" e também a lugares nos arredores (como a aldeia de Cucujães, que fica aqui mencionada porque, à semelhança de Ul, acho piada ao nome) quando vejo vários automóveis à minha frente imobilizarem-se no entroncamento, parecendo aceitar ordens de um indivíduo num colete de elevada visibilidade.

Como podeis imaginar, estava a estrada temporariamente cortada (mas apenas num sentido) devido a uma prova de ciclismo. Ora eu já não estava particularmente bem disposto depois de ter sido forçado a andar às voltas em Viseu entre becos sem saída e ruas cortadas por causa das cavalhadas de Teivas* (outro nome cómico, desta vez acrescido da implicação de ser um pardiero tão mau, tão mau mas tão mau que até Viseu lhes parece melhor sítio para fazer cavalhadas. Ao menos Vildemoínhos (só nomes vencedores) tem a hombridade de só ratar ali um cantinho à saída de uma rotunda que, em todo o caso, a modos que já é "deles"), e quando me dizem que por causa dos sacanas dos ciclistas** vou ter de escolher entre ficar à espera de suas excelências numa estufa de vidro e aço (soberbamente esculpidas na forma elegante e intemporal do meu Ford Fiesta Mk VII***) à torreira do sol do meio da tarde ou passar todo o tempo que suas majestades demorarem a desimpedir a estrada (mantida por parte do dinheiro dos meus impostos em igual medida que pelos impostos deles, logo, à qual tenho, à partida, o mesmo direito) queimando gasolina futilmente para manter o ar condicionado a funcionar (porque na Ford, a economia das gamas mais modestas não obsta ao conforto dos grandes automóveis****), fiquei capaz de meter pela contra-mão e ir por ela à procura de algum Marco para deixar de Panatanas******.

Ó pá, é que já é galo! Quando não, vejamos:
 - Ainda há um punhado de semanas, vinha para casa do trabalho quando um grupo de ciclistas, que seguia:
   -> alinhado à largura da estrada;
   -> evitando a pista reservada aos ciclistas junto à berma;
   -> em contra-mão.*******
tem o desplante de se mostrar reluctante em sair da situação ilegal em que se encontra e me brinda com impropérios por querer seguir a minha marcha em situação regulamentar, conforme disposto no código das estradas, o qual é, recordo, o mesmo PARA TODOS OS UTENTES DA VIA PÚBLICA!
 - Não esquecer que o ano passado, por causa da Volta a Portugal, me obrigaram a demorar, sem exagero, 15 minutos a (juro-vos que não há aqui qualquer sombra de hipérbole) a atravessar uma rua em Viseu para ir cortar o cabelo - e ainda um badameco de um polícia municipal me queria parar quando eu seguia a pé pelo passeio.
 - E ontem isto...

Mas agora pensai cá comigo: se nos reuníssemos todos na mesma cidade, começássemos a trocar vangloriações das nossas habilidades equanto automobilistas e decidíssemos determinar experimentalmente qual de nós, em seu veículo, demoraria menos a completar certo percurso arbitrário, por acaso impediríamos algum ciclista de circular nas ruas da mesma cidade? Evidente que não! Assim que sequer tentássemos, alguém com o mais ínfimo iota de senso-comum nos teria remetido para o Autódromo do Estoril ou lugar que o valesse para disputarmos o nosso pequeno mede-pilas! Por que vernáculo do objecto a medir não hão de os ciclistas se vergar à mesma regra!?

Mas está tudo doido ou que!?

Antes de me despedir quero salientar que todas as provas do jogo "Crazy Bikers 3", disponível em breve para iOS e Android, decorrem em circuitos fechados onde nenhum utente da via foi/é/será importunado.

Pax vobiscum atque vale.

* Uma vez conheci um rapaz de Teivas. Até era bom moço, por isso custa-me dizer tanto mal de lá. Mas digo na mesma!
** Atenção que eu não tenho nada contra os ciclistas per se. Enquanto os ciclistas quiserem ser ciclistas sem estorvar ninguém, gosto muito deles todos (até me zangar com algum).
*** Não, a Ford não me paga nada para dizer bem deles (mas podia...); eu é que gosto muito do meu carro.
**** OK, pronto, admito: esta foi mesmo encomendada e paga pela Ford...*****
***** Não foi nada, mas eu ainda estou disponível!
****** Este trocadilho com o nome do ciclista Marco Pantani não resultou tão bem como na minha cabeça. Paciência...
******* Receio bem que "em contra mão" não transmita devidamente o sentimento com que as palavras devem ser tomadas. Em jeito de didascália, deixai-me deixar aqui "no caralho da contra-mão, porra! Em contra-motherfucking-mão, foda-se!"

2016-06-10

Pátria

(Já viram que dia é hoje?)

Aqui há dias fui acusado de não ser patriota e de não gostar de Portugal. Mas já respondo a isso...

Durante uns anos, a minha avó viveu numa residencial. Não era propriamente um lar de idosos, mas, na prática, era isso que fazia. Certa vez, calhava ser dia 25 de Abril, encontrou certo senhor idoso que, noutros tempos, fora simpatizante do regime fascista, ostentando uma gravata negra.

"Morreu-lhe agluém?" Perguntou a minha avó.

"Não." Respondeu, gravemente, o cavalheiro. "Estou de luto pela Pátria!"

"Pátria?" Comentou o meu pai, ouvindo a minha avó a contar a história. "Eu também tive isso quando era pequenino, mas depois passou-me."

Eu acho que "Pátria" é uma palavra um bocado perigosa. Sempre que a ouço ou a leio, vejo imagens de mártires que se sacrificaram não sei ao certo por o quê. Ao ser acusado de não ser patriota, lembrei-me de listar alguns lugares-comuns de patriotas ao longo da história de várias nações.

Havia os patriotas que se entregavam às lâminas sarracenas para empurrar para sul a fronteira do que havia de ser Portugal, mas esses eram, sobretudo, impelidos pela motivação de retomar as terras em nome do cristianismo. Ou seja, morreram por uma doutrina (que creio que a maior parte de nós considera falsa e) que nunca sequer soube os seus nomes.

Havia os patriotas Americanos, que, desafiando a vontade do Rei George, se entregavam aos mosquetes ingleses, mas esses eram, em última análise, motivados pela máxima "no taxation without representation". Ou seja, morreram por dinheiro (OK, não foi exactamente morrerem por dinheiro, mas entendeis o que quero dizer).

Houve o Imperador Pedro I do Brasil, que quis à viva força que essa colónia sul-americana deixasse de ser pertença de Portugal, mas todos sabemos que esse estava, sobretudo, a fazer birrinha porque lhe tinham tirada a coroa. Esse queria era mandar.

(Há aqui muita gente interessante pelo meio, mas vocês, se ainda não estão fartos de ler isto, hão de o ficar na mesma em breve, e escrevinhar para aqui mais coisas já só havia de servir para vos maçar.)

E agora há uns indivíduos que gritam "Allahu Akbar!" antes de rebentarem aos bocados, e que não caem exactamente ao abrigo da definição tradicional de "patriota", mas que, bem vistas as coisas, não deixam de ser fundamentalmente semelhantes.

Mas o que é que vem a ser "morrer pela pátria"? O que é, ao certo, a "Pátria"? Não me venham dizer que é o país onde se nasce, porque isso não responde à pergunta, só muda os termos da mesma. Morreríeis por qualquer talhão de terra por terdes tido a desventura de nascer lá? Valer-vos-ia a pena de vos sacrificardes pela soberania de um país constantemente em mudança de líderes, alternando os que ninguém quer e os de quem ninguém gosta? No caso das monarquias (e não digo as monarquias como o Reino Unido, em que nem o monarca nem a família real representam poder político de facto), compreendo que alguém tenha tanta fé no monarca e na sua linhagem que queira vivamente lutar por eles, mas neste regime de eterna mudança, por vezes para melhor, por vezes para pior, mas, aparentemente, nunca sequer para bem, "patriotismo" acaba por me soar ao nome de um veneno que faz os inocentes quererem perder-se por que se não perca quem lá fica a engoradar de desprezo pelos ideais que levaram à perda enganada de quem se quis sacrificar.

Dito isto, gosto de Portugal. É um país engraçado. Faltam algumas coisas (sobretudo juízo), mas a maior parte do que é indispensável já está. E tem sítios bonitos: campos verdes, serras viçosas ou nevadas, e até praias que, diz quem gosta disso, são um espectáculo (e lá nisso até os estrangeiros parecem concordar).

Agora patriota é que não sou. Não critico ninguém por ser, mas vinde-me pedir o que quer que seja "pela pátria" planeando voltar por onde viestes; se a pátria, seja isso o que for, realmente quiser algo de mim, que se mostre e venha falar comigo cara-a-cara.

Faz hoje 2 ou 3 anos, estava eu em Londres, num comboio, quando ouvi uns cavalheiros a falar português. Conforme saíram, antes de mim, aproveitei para lhes dizer "feliz dia da nossa Pátria!". Não queirais ler algum significado mais profundo nesse gesto.

Pax vobiscum aque vale.

Para todos os meus estimados colegas e amigos, sobretudo aqueles que (ainda ou já) estão no estrangeiro (outra vez), feliz dia da nossa Pátria.