2014-12-18

Não consigo imaginar um título adequado ao conteúdo desta entrada...

... porque, simplesmente, estou sem palavras.

Bem, vamos lá começar por relatar os factos.

Então sucedeu que, a 17 de Setembro de 2011, enquanto eu andava ocupado a arranjar casa em Londres, um vilão quis assaltar uma padaria em Albergaria-a-Velha, no distrito de Aveiro (quem transitava de autocarro entre Aveiro e Viseu ou São Pedro do Sul conhece a localidade, de certeza). Entrou pelo establecimento adentro, de cara tapada, com uma espingarda de caça e atingiu o dono, que, depreendo, especulando, não deve ter ficado lá muito satisfeito. Fortuitamente, familiares do cavalheiro vieram em seu auxílio e subjudaram o assaltante, servindo-se, para o efeito, de murros e pontapés (para este último pormenor, acerca do qual ouvi na televisão, não encontrei fonte que possa citar, por isso, não vou postar isso na Wikipédia, mas digo-lo-vo). Ora sucede (e isto posso eu, que nunca assaltei nenhuma padaria, mas já levei tanto socos como pontapés, confirmar) que murros e pontapés, portanto, aleijam. Imagino, de novo, especulando, que aleijem mesmo quando são recebidos no decorrer ou como consequência de cometer um crime. Calha mesmo que estes aleijaram tanto que o bandido que os recebeu ficou em mau estado. Ora, apesar de me identificar como um pacifista, não posso, honestamente, dizer que tenha pena de um indivíduo que é maltratado por pessoas que tentam defender um parente que a "vítima" acabou de balear deliberadamente e com intenção de roubar.

(fim da parte mais ou menos razoável)

Sucede que hoje, 17 de Dezembro de 2014 (25º aniversário dos Simpsons, que se estrearam no programa "The Tracy Ulman Show" e que hoje são um importante marco na cultura popular Americana e quiçá da Humanidade), três anos e três meses depois do sucedido, ao ladrão, que tinha acusado as suas próprias vítimas de, no acto de meramente se defenderem, desarmados, depois de um deles ter recebido um ferimento de uma arma de fogo, crimes contra a sua integridade física, foi concedido, por acordo, uma indeminização de 7500 euros.

Portanto (TL;DR):
    - Bandido assalta padaria;
    - Bandido atinge dono da padaria;
    - Parentes da vítima defendem-na de outros eventuais ferimentos e/ou mafarriquices;
    - Tribunal concede ao bandido o direito de chatear a vítima tanto que...
    - Vítima e familiares acedem a indeminizar bandido só para se livrarem da chatice.

Vocês lembram-se de, aqui há muitos anos, lermos acerca de casos jurídicos nos Estados Unidos como "homem põe charutos no seguro, fuma-os e reclama indeminização sobre os bens segurados que foram destruídos numa série de pequenos incêndios", o contra-processo da seguradora por "várias instâncias de fogo-posto" ou mesmo "homem adquire auto-caravana com cruise control, activa o cruise control, ausenta-se do lugar do condutor e processa o fabricante do automóvel na sequência do acidente resultante por não lhe terem explicado que cruise control não é um piloto automático"? Lembram-se, igualmente, de pensar "eh, pá, isto só na América"? Recordam-se, porventura, do misto de alívio e desapontamento ao saber que algumas dessas histórias se vêm a revelar como farsas? Cheira-me que isto nem na América.

Em prol de toda a verdade, apraz-me dizer que, apesar da indeminização que a vítima e familiares acederam a pagar ao assaltante, este último tinha sido condenado a pagar uma indeminização de maior valor às suas vítimas, na qual este novo valor será descontado, mas sou da opinião que isso não desculpa os tribunais por terem permitido que se chegasse a este ponto do que eu consigo qualificar apenas como "estupidez".

Fontes:
Jornal de Notícias (visitado em 17 de Dezembro de 2014)
Notícias ao Minuto (incluído apenas porque apresenta verbatim o mesmo texto do JN, o que eu achei digno de nota)
Visão (apenas resumo, incluído à laia de TL:DR das fontes)

Pax vobiscum atque vale.

(Isto nem na América...)