O assunto que vos trago aqui hoje não é de todo pacífico, nem confortável.
Como todos já sabem, D. Afonso Henrique (que discuto mais aqui) lutou toda a sua vida contra os mouros (e reis católicos!), casou com D. Mafalda de Saboia, e teve como filho D. Sancho I, segundo rei de Portugal. Linear, Certo?
Não é bem. D. Afonso foi também muito provavelmente dos mais tempestuosos Reis Portugueses. Habituado a que sua palavra fosse lei, acima até da voz de qualquer clero (ou papa, ele próprio se declara rei antes de ordem papal), Afonso raramente admite ser contrariado, e não ficou propriamente conhecido por seu bom humor ou disposição.
Afonso casa com Mafalda aos 36 anos de idade, uma idade bastante avançada para o primeiro casamento real, mas isto não quer dizer que se tenha mantido "ocioso" até essa data. O grande amor da vida de Afonso foi provavelmente Chamoa Gomes, sobrinha de Fernão Peres de Trava, este por sua vez amante e companheiro de D. Teresa (Mãe de D. Afonso Henriques) e conde Galego.
Chamoa Gomes tinha portanto sangue nobre, e ligações até com a Galiza, terras desde cedo cobiçadas por Afonso. Mas Chamoa tinha também um (ou vários problemas). Casa com Paio Soares, de quem tem 3 filhos e enviuva, Chamoa decide tornar-se Freira, é quando já é freira que tem um filho de Mem Rodrigues de Tougues. Chega-nos até nós hoje que sua alcunha era de "loba", não sei se por ter fama de "devorar" homens naquela época, mas estou mais inclinado para a malícia do clero da época que tinha muito contra Chamoa, mas já volto a este ponto.
É portanto Chamoa Gomes Freira no convento benedito de Vairão quando conhece D. Afonso. Bom, os detalhes não posso contar, mas tudo aparenta que o caso entre os dois tenha sido tórrido, tanto que entre 1135 e 1140 Afonso é pai por duas vezes.
Sim Chamoa Gomes dá ao futuro rei de Portugal os seus primeiros dois filhos: Fernando Afonso e Pedro Afonso....
O que se passou então? Se a paixão era tanta, porque não se casa Afonso com Chamoa, de quem tem inclusive 2 saudáveis filhos? Pressão política? Duvido, Afonso não respondia a nenhum outro nobre. Pressão religiosa? Quem no clero ousava pressionar o rei que depôs o bispo de Coimbra e o substituiu por um mouro?
Deixo a pergunta a "marinar", mas a minha teoria vai não para pressão política ou religiosa mas para o próprio D. Afonso. É claro, Afonso podia ser tempestuoso, a até mesmo adorar Chamoa, mas Afonso não era sem visão e Chamoa Gomes era como eu disse sobrinha do "padrasto" de D. Afonso Henriques, o que os faria de primos(não de sangue, mas primos na mesma) aos olhos de algum clero mais ligado a Espanha. Casamentos entre primos era motivo comum na época para excomungar (gravíssimo!), mas não só, caso Afonso fosse ter um "acidente", a nobreza ligada à sua Mãe e a Fernão Peres rapidamente tomariam controlo dos dois pequenos infantes, invocando laços de sangue, e unindo Galiza ao Condado Portucalense, com o detalhe de ter sede em Espanha.
E seria mesmo uma freira (ou ex freira) como rainha, e dois filhos ilegítimos com uma linha de sucessão bastante frágil que D. Afonso tinha envisionado para o futuro do Reino de Portugal? Certamente que não, e caso tivesse acontecido certamente o Reino tinha caído em guerra civil pouco depois da morte de Afonso.
Mafalda de Saboia, de famílias ricas Italianas-Francesas é sugerida então como um bom casamento a Afonso, casamentos este que é consumado em 1146, quando Fernando Afonso tem 11 anos, e Pedro Afonso 6.
Tristemente, os próximos anos não são bons para o casal. O seu primeiro filho, Henrique Afonso, morre em criança, o segundo filho, uma menina, acaba por falecer também, o terceiro, uma menina também, e foi só ao quarto filho do casal que nasce D. Sancho. O casamento também não é feliz, Mafalda acusava Afonso de infidelidade (talvez com Chamoa ainda?) e acabar por morrer, aos 32 anos de idade.
Mas o que aconteceu aos primeiros filhos de D. Afonso Henriques?
O mais novo, Pedro Afonso, torna-se o primeiro mestre da ordem militar de Avis, e pouco mais chega aos nossos dias de sua vida.
Fernando Afonso, o primeiro filho de Afonso, serviu primeiro como Alferes mor do reino, e foi mais tarde participar na 4ª cruzada. Já na terra santa, foi nomeado Grão mestre da ordem dos cavaleiros hospitalários (cargo de grande poder e influência), mas foi forçado a abdicar 4 anos depois por motivos desconhecidos e volta a Portugal, onde morre em circunstâncias... digamos, pouco claras. É sepultado em Santarém, e no seu jazigo pode-se ler:
“Quem quer que sejas tu, sujeito à morte, lê e chora. Sou o que tu serás, já fui o que tu és. Peço-te que rezes por mim”.
1 comment:
Devem ser estes os Afonsinhos do Condado (Portucalense, depreendo) de quem tanto ouço falar...
Post a Comment