2005-06-30

Para variar...uma decisão fácil (ou não!)

O que proponho ao leitor é um simples exercício, avisando desde já - embora duvidando de tal ocorrência - que futuras depressões ou estados de prolongada contemplação derivados das conclusões deste post não são da responsabilidade do autor. Comecemos, então, pois que o nefasto tabaco ameaça, a cada momento, levar-me para mais longe de vós.
Tristeza...alegria. Dois antónimos. E duas palavras dotadas de uma bela particularidade...estão foneticamente em consonância com o seu significado. E o exercício é o seguinte: olhe o leitor para trás, para o seu passado. Não sendo os menores de 14 meses aconselhados a frequentar o Disco-Bar, tomo como como garantido que o leitor possui ambos os vocábulos em causa na sua experiência como ser humano. Mais ainda, que o leitor matutou e alcançou consciência (condição horripilante de esclarecimento - não raro em demasia) dessas suas experiências. Olhemos portanto para trás do ombro...e peço um olhar frio, essencialmente direccionado à estética e o mais distante possível dos sentimentos. E aqui vai:
agora que vê as coisas com outros olhos (isto é fundamental), de qual gosta mais? Da chuva de Outono no corpo nu que é a tristeza...ou do radioso dia de sol que é a alegria?
Pode ficar aqui a minha opinião...E ela está nas metáforas que empreguei. Um dia de sol radioso é algo capaz de reabilitar um coração mais amarfanhado que o capacete de um operário vitimado. São horas em que o astro rei faz juz a designação, e em que os instintos falam mais alto. Somos felizes, porque o céu é azul e está calor. Porque, no fundo, as coisas simples são o melhor da nossa vida, e perdoem-me o lugar comum.
Mas, e a tristeza? O Outono, cujas nuvens de vários matizes de cinzento falham, não raras vezes, em encobrir pedaços de azul...da felicidade simples que a nossa vida teve e parece ter perdido para todo o sempre? E a chuva casual que nos molha? E, se por acaso, estivermos nus, como referi na metáfora? Não é desagradável? Claro. Mas...não é belo? E não é também bela a noite tempestuosa? Ou a pessoa, envergando um casaco preto, que ondula ao gélido vento outonal e é tornado pesado pela chuva miúda, que parece posar para uma câmara que só ela vê, num precipício povoado por uma única árvore, tão despida de folhas como a pessoa de razões para sorrir? Não é uma imagem simples...não é uma imagem agradável, se nos imaginarmos no lugar desse indivíduo - ou mesmo da árvore, nua e sem capacidade para fugir à chuva, ao vento, e ao tecto de betão que as nuvens formam. Mas, esteticamente, é bela. Imaginem-se num quadro com esse tema. O céu ainda é escuro, mas o vento não é frio e a chuva não vos gela a pele. É uma cena muito mais poética e dada a interpretações que um simples céu azul...A diferença entre cada um dos meus textos é prova disso.
Quem está de alguma forma ligado a artes poderá (sublinho) ter mais facilidade neste exercício. Porque é inegável que são as fazes tristes as mais pródigas no fornecimento de temática e não só para as obras.
A tristeza é complicada, e muito melhor amante que a alegria, essa mulher de beleza simples mas enorme que nos cativa simplesmente porque nos lembramos dela. A tristeza é uma dama de negro que deita nas suas roupas perfumes inebriantes: melancolia, dor, confusão...é muito mais dedicada e protectora de cada marido que pretende devorar. O caminho para ela é cheio de descobertas que nos fascinam, e não raro de alegrias efémeras. E sempre a fêmea obscura surge quando nos separamos da alegria, acarinhando-nos e oferendo-nos a sua cama.
Não há duvidas sobre que estado preferimos. Mas os sentimentos nem sempre nos devem desviar de conclusões que parecem lógicas. Dêem-me as vossas. Um bem haja, esperando que actualmente partilhem o vosso leito com a alegria.

2 comments:

mariana, a miserável said...

Ninguém melhor que os artistas…ora bem aqui tens uma…uma que decidiu aceitar o desafio ler o texto e mais importante…pensar sobre isso…
Confirmo… tristeza esse estado que nos abala por dentro…que nos faz cair…é bonito e poético…sobre ela pinto…sobre ela danço…e agora escrevo…não é que goste de me sentir assim…não existe nenhum prazer em desfazer-me...
Há apenas uma atracção pelas coisas complexas… coisas que me fazem sentir sensações complicadas de explicar…há toda uma beleza que envolve a melodia de uma música triste…ou de uma tela sobre o Outono…ou de um corpo nu, só…
Tristeza e alegria…pequenos aprendemos o que é o bem e o mal…que tristeza está associada ao mal e que devemos sempre sentir alegria e ser felizes e sorrir…porque oiço então esta música…porque continuo então a chorar? por vezes sem razões plausíveis… complicado este sentimento…e triste sim…mas belo…

Saurnil said...

A tristeza e a alegria são temas de fundo, presentes, na arte. Talvez a tristeza tenha um papel mais importante. Enquanto alegres, o humor ocupa o nosso cérebro, adormecendo a sensibilidade. A tristeza e seriedade com um leve toque de esperança fazem-nos avançar na vida. Para ser feliz, terei que aceitar a tristeza como uma parte da vida. Aceitar a tristeza, é a primeira atitude a tomar. O abraço da tristeza pode-nos esmagar se gesticular, se a tentar afastar. Quando aceitar o seu abraço, deixará de apertar, e, gradualmente, soltará o corpo.
A tristeza pode ser sufocar, mas torna-nos mais fortes, se ultrapassada. A tristeza pode ser bela, realmente bela, mesmo magoando. Se me perguntarem qual dos estados prefiro, alegria ou tristeza, não sei o que responder. Só sei que preciso dos dois. A alegria, o alimento da esperança. A tristeza...papel indefinido. Alimento da criatividade, torna-nos fortes. Enquanto tristes, sentimo-nos sós, mas sinto-me melhor quando falo das preocupações, problemas, pensamentos, divagações. Só sei que preciso de alguma tristeza na minha vida, tanto como da alegria.

Sou feliz quando sei que partilhamos a tristeza.